(Comunicação despretensiosa feita na Ribeira Grande, a propósito da apresentação do livro de Almeida Maia, Bom Tempo no Canal, a conspiração da energia)
Ribeira Grande, 26 de março de 2013
Caríssimos membros da Mesa
Caríssimas Senhoras,
Caríssimos Senhores,
Estou aqui hoje a convite do Pedro Maia, e muito
honrado me sinto por estar entre ilustríssimos convidados, mas sobretudo por
estar entre vós, que pacientemente nos têm ouvido.
Como não venho aqui apresentar nenhum livro em
especial, gostaria de falar-vos sobre livros de uma perspetiva diferente. E nem
me atrevo a tocar no aspeto comercial, por razões óbvias a dimensão que me é
mais apetecida. Pelo contrário, convido-vos a mergulharem comigo profundamente
durante uns breves minutos no maravilhoso universo do Livro.
Se repararmos bem, não há em toda a história da
humanidade progresso sem livros, isto é, não há país, não há região, não há
cidade, que não tivesse progredido com livros nas suas casas, nas suas
instituições, nas suas escolas, nas suas bibliotecas, e livros esses que sejam
procurados e lidos pelas suas populações, e que também sejam discutidos,
debatidos, polemizados, nos cafés, nos transportes públicos, em tertúlias de
amigos, depois de um jantar, entre o gelado e o café. E isto porque os livros
não nos fazem homens fracos, nem derrotados, falhados, mal-educados, homens sem
projetos, sem ideias, homens cabisbaixos e tristes, mas precisamente o contrário.
Precisamente o contrário, minhas senhoras e meus
senhores.
Quero pois apresentar-vos o livro numa ótica de
fonte de conhecimento e de informação que visa o desenvolvimento pessoal,
social e cultural, o livro como uma ideia progressista que visa o
desenvolvimento justo e harmónico de uma comunidade de homens e mulheres num
determinado tempo e num determinado espaço, não no sentido maoísta que lhe
poderíamos dar.
Viajemos um pouco no tempo. Já imaginaram se Karl
Marx tivesse lido com atenção Adam Smith, ou se Adolf Hitler tivesse entendido
os ensinamentos de Cristo ou Buda, se Estaline tivesse dado mais atenção às
ideias de Mahatma Ghandi, ou se todos nós tivéssemos lido Winston Churchill,
não como um fardo obrigatório do nosso plano curricular, mas por espontânea
curiosidade, fazendo de nós seres mais preparados para enfrentar toda a
consorte de desafios e problemas pelos quais agora passamos, para além de
praticarmos um mundo mais equilibrado e moralmente mais sólido. Mas não, as
escolas ensinaram-nos muita coisa, mas não nos deram essa grande preciosa
ferramenta para compreender os outros e o mundo à volta. E felizmente que nem
Hitler, nem Estaline, ou Mao Tsé Tung, são os referenciais do nosso sistema
educativo. Até porque maus líderes, como o são estes últimos, não devem ser
grandes autores.
Os livros, dizem alguns, são caros e chatos de se
ler… Pois, os cigarros também, assim como o álcool, e são chatos
para a saúde.
Os livros, se não o sabem, dão bom karma, porque
nos contam experiências passadas, ou mesmo imaginadas, com as quais podemos
aprender novas abordagens e experiências, e ficamos mais resistentes às
intempéries intelectuais, cruzadas por muitos ventos vadios que sopram sem
destino, em que cada rabanada pode gerar energia suficiente para aquecer uma
letra, uma frase, uma página… No meio estamos nós, prontos para receber os seus
probos e profícuos ensinamentos.
Um dos nossos males, baixos seres humanos, é
preocuparmo-nos muito com as vidas dos nossos semelhantes, despendendo muito
tempo e energia à roda do outro, mesmo quando não o conhecemos e só ouvimos
falar dele por circunstância. Por vezes até sabemos, por excesso, os amores, os
desencontros, os boatos, os defeitos e as virtudes, conhecemos o bom e o mau de
quem anda à nossa volta, e no fim do dia o que ganhamos nós com isso? E os
visados, ganharam o quê com isso?
Tomemos como exemplo quando estamos numa roda de
amigos em torno de uma simples mesa, num sábado à noite. Normalmente não será
um bom sítio para se falar de livros, como é óbvio. De súbito, a conversa
torna-se num chorrilho de verosimilhanças, ou seja, de coisas que não se tendo
passado exatamente como contam, poderiam ter-se passado exatamente como contam.
E vai um e diz: sabiam que a Marta dorme agora com o Hugo, e que a mãe do Hugo
tem uma dívida que não pode pagar, e que o amante da mãe do Hugo assinou o
cheque com que ela vai pagar a dívida, e que o cheque era careca, assim como o
bancário que informou a mãe do Hugo da calvície do mesmo, e que por isso deram
uma entrevista a um jornal nacional, que o credor colocou um processo na
senhora, e que sicrano e fulano e beltrano, assim, cozido, frito, assado…
Pausa… Pensem nas horas que desperdiçamos a falar da vida dos outros, ou das
vidas que nós imaginamos para os outros, gastamos muitas vezes as energias que
não temos, violando um direito sagrado que é a privacidade alheia… E imaginem
que ao falarmos na vida dos outros podemos estar a manchar injustamente os bons
nomes das Martas e dos Hugos e das mães dos Hugos, dos amantes das mães dos
Hugos, dos bancários, e ainda acrescentamos no fim que ninguém presta neste
país, são todos parte de uma cambada de qualquer coisa, menos nós, e os nossos
amigos, somos santos, seres impolutos e superiores a qualquer outro. E, minhas senhoras
e meus senhores, quanto tempo gastamos com estas inutilidades, enquanto
podíamos perder o mesmo tempo a ler ou a falar de livros, a desenvolver-nos
enquanto seres intelectuais, emocionais e culturais. Ou a fazer qualquer outra
atividade intelectual mais frutífera?
Meus senhores, não brinco quando digo que um livro
é de extrema importância para a nossa cosmovisão e sentido de futuro, objeto
distinto e requintado de um prazer ao mesmo tempo subtil e elevado. E falar de
livros leva-nos muito para além deles. E ao falarmos, imaginamo-los estáticos
numa biblioteca, ou nas estantes lá de casa, quietos e recatados nas estantes
de uma velha livraria, e de súbito, ao folheá-los mentalmente é como se todo o
nosso pensamento, o mundo, começasse a girar num corrupio diabólico, pois os
livros, desde sempre, sobressaltam o homem, a mulher, e a criança. Ainda bem,
acrescento eu.
E, numa só frase, quase para terminar, pergunto
porque não lemos mais livros escritos por açorianos, livros de autores nascidos
nestas ilhas e que busca para além dos limites da sua virtualidade, procurando
expressar o seu traço no mundo. Foi por isso que acreditei desde a primeira
hora no livro do Pedro Maia, nome de guerra Almeida Maia, e percebi que Bom
Tempo no Canal fora criado para vencer. E criado para vencer cá hoje, e
mais tarde vencer lá. Foi por isso que vim aqui. É por isso que continuarei ao
lado do Pedro Maia sempre que ele precisar de apoio. E ao lado de todos os
açorianos e açorianas que, com humildade, com perseverança, com lealdade para
com a sociedade e o povo que representam, e não com os olhos postos no estatuto
académico, ou posição social, ou saldo bancário, prossigam com as suas
carreiras literárias com profissionalismo e prosperidade.
Bem haja a todos vocês, leitores incansáveis!
2 comentários:
Luís, como sabes fui assistir a esta apresentação da 2ª edição do livro "Bom Tempo no Canal". Gostei muito das tuas palavras, muito certas!!
Maravilhoso.
Verdadeiro.
Sentido.
Beijinho Luís
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