CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
MADALENA
– PARTE I
Assim que enfiei o vestido de
alças que a minha madrinha me tinha oferecido na Páscoa e prendi o
cabelo com dois totós perfeitamente simétricos, sentei-me a ver os
“Morangos com Açúcar”. A nova série, a vigésima sétima -
férias de Verão em época natalícia - estava a ser uma seca. Já
não havia amassos nem maluqueiras como antigamente.
Depois apareceram em cena três
actores famosos. E aí passei-me. Eu estava habituada a ver
desconhecidos a representarem tão mal que parecia que eu estava a
falar com os meus próprios amigos. Era lindo, dessa forma. Fazia-nos
sonhar que qualquer uma de nós poderia aparecer na TV. Por isso,
quando detectei os famosos atirei-me à televisão. Esbofeteei-a,
mordi-a, pontapeei-a e atirei-a ao chão.
Ah, e injuriei o maldito aparelho
só porque contrariava a minha vontade.
Devo ter feito muito barulho
porque a minha mãe apareceu de imediato na sala. Perguntou-me o que
tinha acontecido para estar a agir daquele modo. Eu sorri e dei-lhe o
mesmo tratamento a ela. A Lucrécia - assim se chamava a minha mãe -
ficou no chão, a sangrar do nariz, e ainda lhe dei com uma joelhada
na cabeça quando se tentou levantar.
Peguei no meu casaquinho de ganga
e saí. Antes de fechar a porta disse-lhe que não contasse comigo
para o jantar, pois tinha planos para aquele final de tarde. Ainda
soltou um “hã?” mas fiz de conta que não ouvi, imaginando que
talvez tivesse acabado de lhe rebentar com o outro tímpano. E só
lhe restava aquele, porque no Verão passado tinha-lhe dado cabo do
outro, depois de me ter dito que não podia ir ao cinema por se
tratar da última sessão.
Enquanto percorria a rua, não
evitei as velhas que se cruzavam comigo e fui-lhes dando pequenos
encontrões com o ombro. Todavia, desviei-me daqueles que pareciam
mais fortes do que eu.
E fui pensando no padre Cardoso,
aquele que me havia confiado uma missão.
Só o deixei em pensamentos
quando entrei no tasco mais frequentado da terra. Entrei e olhei em
meu redor. Falava-se de futebol, de carros e de subsídios, mas todos
se calaram à minha passagem. Parei no meio do espaço e inquiri bem
alto: “Quem, daqui, é o Jaime?”
O gajo lá acabou por se
levantar. E disse-lhe que me seguisse. Eu já sabia quem ele era, mas
sempre quis invadir dessa forma um espaço cheio de gajos e ordenar
que um deles me acompanhasse. E assim foi.
A meio do caminho ele
perguntou-me se íamos para a casa dele ou para a minha. Sorri sem
responder. Acabei por levá-lo para igreja que continuava desocupada
desde que o padre Cardoso tinha batido a bota.
Entrámos e sentámo-nos na
primeira fila, mesmo em frente ao altar, perante a curiosidade de
Jesus Cristo, que nos olharia de frente se eu não lhe tivesse
arrancado os olhos na noite anterior com o punhal que guardava na
minha bolsinha da Sininho.
“Afinal, o que queres miúda?”
“Matar-te.”
“Porquê?”
“Foi um pedido expresso do
padre Cardoso.”
“Como? O gajo foi desta para
melhor.”
“Pediu-me para o fazer antes de
morrer.”
“E só por causa disso vais
matar-me? Se ele te pedisse para comeres fígado cru de um porco
espinho alcoólico, tu farias?”
“Não. Claro que não.”
“Então porque obedeces se não
queres fazê-lo?”
“Não disse que não queria
matar-te, disse que não era por causa dele que o fazia. O padre
Cardoso é apenas uma forma de justificar as minhas acções.”
“Como assim?”
“Na verdade, vou matar-te por
outro motivo.”
“Qual?”
“Lembras-te quando cravaste a
garrafa no teu melhor amigo?”
“Sim. És filha dele, é isso?
És a Clarinha?”
“Claro que não, idiota. Sou
sobrinha-neta da mulher que liga as máquinas da linha de enchimento
da marca de cerveja que tu usaste para ferir o teu amigo.”
“E?”
“E até hoje ela não se perdoa
por isso. Está num asilo. Ela acredita que se não tivesse ligado a
máquina tu não possuirias a garrafa que usaste para desferir o
golpe.”
“O quê? É louca, essa
mulher.”
“Dizem que é de família.”
Nesse instante calei-me e vi no
seu olhar que o medo se apoderara dele.
3 comentários:
Madalena...será a Arrependida?!...Que nos prepara desta vez o Vasco?
Ai Jasus! A miuda é fogo!!!!!!!!
Teresa Carvalho
Ora, aqui está uma miúda decidida...
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