CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
MADALENA
– PARTE II
Depois de ter saído da igreja,
deu-me uma larica que não resisti em passar pela cadeia americana de
hambúrgueres cujo dono é um palhaço. Comi um hambúrguer no pão,
que noutra ocasião chamar-lhe-ia sandes de carne picada com molhos
diversos, e batatas fritas com ketchup que mais parecia sangue
coagulado. Ah, e para além disso ganhei um brinde, uma estrunfina em
pose de modelo e carregando uma mala cor-de-rosa.
No final da refeição, arrotei e
dei por mim a corar, receando que alguém tivesse escutado. Nunca fui
uma miúda desinibida e, para ser sincera, para badalhoco já basta o
meu pai. Juro que qualquer dia lhe isolo a saída do aparelho
digestivo e me instalo no sofá até que ele rebente. É que não há
minuto em que o homem não se manifeste, seja por cima, seja por
baixo. Por falar nisso, parece ironia do destino ele chamar-se
Varatojo. É que rima mesmo com nojo. Eu também me chamo Varatojo,
mas no meu caso rima com estojo. Ainda ontem comprei um novo da
Ovelha Choné.
Antes de deixar o restaurante,
enfiei o punhal que conheceu o Jaime num caixote do lixo, sem que
ninguém visse. Quando percorri o passeio, apercebi-me de um paralelo
solto e enfiei-o na mala, certa de que me poderia ser útil dali a
uns minutinhos.
Rapidamente me desloquei ao único
ciber café das redondezas. Ao aproximar-me, escutei vivas,
assobios e palmas. Ainda não tinha dobrado a última esquina e já
se percebia que o espaço estava num alvoroço.
Assim que cheguei, entrei no
café. Estavam uns cinquenta homens e cinco mulheres aos saltos e
gritando para o ar. No centro, em cima da mesa, pude ver a Rosalina
fazendo um strip tease para uma webcam, enquanto o
resto da malta a incentivava.
Quis gritar para captar a atenção
dela, mas a música do Barry White entoada nas alturas jamais
permitiria que alguém me conseguisse escutar. Por isso dirigi-me ao
quadro de electricidade que ficava na entrada. Na verdade não se
tratava de um quadro convencional, pois não tinha tampa nem
componentes plásticos e os fios encontravam-se à mostra, para além
de estar todo enferrujado e de parecer ter resistido a uma guerra
mundial. Nada de novo portanto. Com medo de apanhar um choque, fechei
os olhos a atrevi-me a mandar a luz abaixo.
E resultou. Todos protestaram.
Enquanto se acendiam isqueiros e se ligavam os telemóveis, agarrei
na mão da Rosalina seminua e puxei-a para as traseiras.
Sentámo-nos em cima de dois
bidons de cerveja de pressão e enfrentei-a.
“Não temos muito tempo,
Rosalina. Rapidamente darão pela tua falta quando voltarem a ligar a
electricidade.”
“Quem és tu?”
“A Madalena, prazer.”
“Prazer, Madalena. Mas quem
és?”
“O teu carrasco.”
“Quem o disse?”
“O padre Cardoso.”
“Ele é padre, jamais faria
isso.”
“Um padre marado da cabeça,
queres dizer.”
“Ainda assim um padre,
miudinha.”
“Madalena.”
“OK, Madalena. E porque queria
ele que me matasses?”
“Não sei. Mas não interessa.
Ele não é o único.”
“Quem mais deseja a minha
morte?”
“Eu.”
“Porquê? O que te fiz eu?”
“Tornaste-me numa criança
infeliz.”
“Sério?”
“Não. Mas podias ter
transformado.”
“Por que motivo?”
“Porque fizeste com que os meus
pais se separassem.”
“Sim? Como se chamava o teu
pai?”
“Varatojo.”
“Não conheço.”
“Eu sei. Mas alguém lá em
casa ficou viciado em ti. Rapidamente, em vez das telenovelas e dos
jogos de futebol, começou a passar na televisão as tuas sessões de
strip tease quando, nos teus tempos áureos, foste contratada
para aquele canal porno por cabo.”
“Era um canal erótico. Eu não
faço porno.”
“Seja. Isso levou a que os meus
pais se separassem depois de vários ataques de ciúme.”
“Lamento, miudinha, que tenha
esse efeito nos homens.”
“Quem se viciou em ti foi a
minha mãe.”
“Sério? Nunca o fiz com uma
mulher. Onde é que moras mesmo?”
“Nos teus pesadelos.”
Nesse instante tirei o paralelo
do bolso da mala da Sininho, pois estava a incomodar-me de tal forma
que já me estava a fazer doer o ombro. Aquele peso era terrível.
3 comentários:
Ai a malvada da Madalena...talvez seja preciso chamar um exorcista...kkkkkkkkkkkk............
Que sinistro! A Madalena é malvada, sim, mas com um pai daqueles... Gostei da ideia de o fazer rebentar ;)
:)
Enviar um comentário