Odete - Fale-nos um
pouco sobre si.
Nuno
- Chamo-me Nuno Nepomuceno, tenho 37 anos, sou natural das Caldas da Rainha,
trabalho como controlador de tráfego aéreo no aeroporto de Lisboa e tenho a
escrita como actividade paralela. Esta entrevista está a ser realizada porque
em 2012, o meu primeiro romance, O Espião
Português, foi anunciado como o vencedor do Prémio Literário Note!, uma iniciativa do Grupo Sonae que contou
com o apoio da revista Lux Woman e do Grupo LeYa, que mais tarde editou o livro
através das Edições ASA. Sou ainda autor da crónica «Como fazer um amigo instantâneo. O guia prático.» e do conto de
Natal «Redenção», ambos publicados
electronicamente. Um outro conto, de nome «A
Cidade», integrará a colectânea Desassossego da Liberdade, coordenada por
Sofia Teixeira, e será editado nos próximos meses. Em Maio deste ano, publiquei
A Espia do Oriente através da
TopBooks, a nova editora com que me encontro a trabalhar, agora em regime de
exclusividade. Gosto bastante de praticar desporto e tenho a leitura e a
jardinagem como restantes hobbies.
Odete - Quando começou
a sentir o gosto pela escrita? E em que altura da sua vida é que sentiu que
queria ser escritor?
Nuno
- Sempre gostei de escrever. Desde pequenino que a minha parte favorita dos
testes de Português eram as redacções. Recordo-me de alguns episódios algo
caricatos acerca da minha infância. Adorava pregar mentiras e fazia-o
constantemente aos meus vizinhos, o que deixava os meus pais muito
envergonhados. Actualmente, ganhei emenda, mas acho que este facto curioso
indiciava já que eu tinha alguma imaginação e adorava colocá-la em prática
quando tinha a oportunidade. Não sei dizer ao certo quando é que comecei a
acalentar o sonho de escrever. Talvez por volta do início da universidade. Fui
um adolescente com um apetite voraz por livros. Ia frequentemente à biblioteca
e trazia para casa cerca de três por semana. E acho que houve um momento a
partir do qual comecei a pensar sobre como é que seria estar do outro
lado, ter o poder de mandar nas
personagens e utilizá-las para mexer com o imaginário das pessoas. É isso que
procuro hoje em dia, ou seja, emocioná-las.
Odete - Que autores portugueses tem lido? E
estrangeiros?
Nuno
-
Essencialmente, os que mais se aproximam do género em que me insiro, como José
Rodrigues dos Santos e Luís Filipe Rocha. Tanto um como outro são exemplos a
seguir em termos de carreira. No que toca aos estrangeiros, a lista e os gostos
são mais variados. Daniel
Silva, Ken Follett, Stieg Larsson, Nicci French, Anne Holt, Gillian Flynn,
Robert Galbraith, mas não só. De vez em quando, gosto de variar e
aventuro-me para fora do género policial. Também leio Carlos Ruiz Zafón,
Christopher Paolini e Juliet Marillier, por exemplo.
Odete - Que autores influenciam a sua escrita?
Nuno
-
O meu grande exemplo é Daniel Silva. Trata-se de um autor que admiro. Tem
conseguido manter-se relevante ao longo dos anos, apresentando sempre livros de
grande qualidade e excelente valor comercial. Partilhamos o mesmo subgénero
literário, isto é, o policial de espionagem, embora não me considere um
imitador ou sequer um seguidor do seu trabalho. Existe uma influência porque o
respeito, mas as comparações param aí. Considero ter uma identidade própria.
Odete - Onde é que o Nuno se inspira para
escrever?
Nuno
- Não é preciso muito, na verdade. O Espião Português foi o fruto de tudo o que
já existia dentro da minha cabeça, ou seja, daquilo com que andei a sonhar
fazer antes de tomar a decisão de o tentar escrever. Estou a referir-me a
ideias soltas, pequenos conceitos, que depois moldei e utilizei de modo a
construir um livro coeso. Actualmente, é um pouco diferente. Já adquiri
experiência, estou mais maduro, e utilizo outros recursos. A Espia do Oriente
foi inspirado na capa de uma revista de viagens. Ia a passar numa tabacaria, vi
a fotografia de uma ponte envolta em nevoeiro, e pensei que tinha de colocar o
André ali. Acabei por escolher outra ponte que não aquela, mas fui fiel à ideia
original. Quem ler o livro e esta entrevista vai perceber do que estou a falar.
Já o terceiro volume da trilogia está a ser inspirado num discurso de guerra de
Winston Churchill.
Odete - Como surgiu a
ideia e oportunidade de escrever esta trilogia?
Nuno
-
A ideia surgiu do desejo de escrever e dos gostos que tinha e continuo a ter na
qualidade de consumidor. A espionagem é o meu género literário e
cinematográfico preferido e, quando decidi escrever um livro, considerei que
seria preferível manter-me fiel às origens e enveredar pelo género que conhecia
melhor. A oportunidade resulta do prémio que venci em 2012. Esse foi o ponto de
partida. Eu terminei O Espião Português no início de 2011 e, a partir daí, fui
sistematicamente recusado por todas as editoras do país. A vitória no concurso
organizado pela Sonae acabou por surgir numa altura em que já tinha decidido ir
tentar a edição independente. Felizmente, deram-me uma oportunidade, que tenho
tentado aproveitar. O livro acabou por se tornar num sucesso algo inesperado,
sobretudo, e na minha opinião, por ser completamente diferente do que é
habitualmente escrito por cá, o que me tem aberto algumas portas. O contrato
exclusivo com a TopBooks vem exactamente daí. Quando começámos os primeiros
contactos, eu já tinha algumas provas dadas.
Odete - Qual a música que escolheria para O
Espião Português? E qual escolheria para A Espia do Oriente?
Nuno
-
No caso de O Espião Português, Am I
am, de Alicia Keys. Trata-se de uma música instrumental e que serve de
introdução ao álbum com o mesmo nome, datado de 2007. Quando a ouvi pela
primeira vez, achei que sintetizava bastante bem não só a essência de André
Marques-Smith, o protagonista, bem como de todo o livro. Começa com um excerto
de Nocturne, de Chopin, que depois é substituído por uma batida tecno e
r&b. E é esta fusão de elementos que está bem patente nos dois. André é uma
personagem com valores tradicionais bem enraizados, como honra e família,
apesar de estar plenamente integrado na sociedade contemporânea. O mesmo se
passa com os cenários onde o livro decorre. Tão depressa somos transportados para
o Palácio Real Sueco, como para um vanguardista clube nocturno em Viena de
Áustria.
No caso de A Espia do Oriente, diria Happy Valley -
The 1997 Re-unification Overture for Violin, Orchestra and Chorus, de
Vanessa-Mae. Trata-se do hino da passagem da administração britânica de Hong
Kong para a China e mistura uma composição ocidental com percussão oriental.
Aliás, a própria personagem central do livro foi fisicamente inspirada numa
fotografia de um álbum desta artista. É daí que vem o célebre cabelo negro com
madeixas azuis. Esta música irá integrar um dos capítulos do último volume da
trilogia.
Odete - Como sente que os leitores receberam a sua
obra?
Nuno
- Não me posso queixar. Estou mesmo bastante contente com a forma como tenho
sido acolhido pelas pessoas em geral, bem como com os resultados comerciais do
livro. Para os padrões nacionais, O
Espião Português pode ser considerado um best-seller. Trata-se de um livro
que entre a primeira edição da ASA e a recente reedição da TopBooks já vendeu
mais de 4000 exemplares, o que é notável para uma primeira obra, nomeadamente,
se pensarmos que está inserido num género que não é muito popular em Portugal.
Claro que continuo a querer crescer. A
Espia do Oriente traduz exactamente essa intenção. O público apresenta
sempre alguma desconfiança em relação ao primeiro livro de um autor. Não o
conhece e, naturalmente, receia perder o investimento que tem de fazer naquilo
que teme poder vir a ser um mau produto. Mas espero conseguir convencer mais
leitores à medida que for publicando mais livros. A regularidade será uma boa
aliada.
Odete - Que importância atribui à blogosfera
literária?
Nuno
- Acho que a sociedade contemporânea tem mudado imenso nos últimos anos.
Utilizamos cada vez mais as novas tecnologias e a internet no nosso quotidiano
e com maior facilidade. Os blogues literários, ao encaixarem-se neste universo,
são extremamente importantes porque são muito acessíveis ao público. Na maior
parte dos casos abordam os livros de uma forma menos elitista do que um crítico
literário que colabora com um jornal. Escrevem sobre livros que as pessoas
realmente lêem e encontram à venda nas livrarias, o que é muito importante. E
há sempre a questão do arquivo digital. Se eu descobrir um autor de que gosto e
começar a ler as suas primeiras obras, muito mais facilmente encontrarei algo
escrito sobre elas num blogue, do que num jornal, cujas edições online não são
totalmente gratuitas.
Odete - Qual considera ser a sua maior qualidade e
vulnerabilidade como escritor?
Nuno
- Esta é uma pergunta algo difícil de responder. É complicado dizer o que temos
de bom ou mau porque há sempre muita subjectividade em tais afirmações, mas
acho que o género onde me insiro é simultaneamente o meu maior ponto fraco e
forte. Ainda existem alguns preconceitos em Portugal em relação à chamada
escrita comercial, sobretudo, quando vem de um autor nacional. Os leitores
mostram-se algo cépticos e preferem um livro de um escritor estrangeiro, apesar
de não o conhecerem, mas apenas porque vem de fora do país. Por outro lado, ao
estar numa espécie de nicho de mercado, marco pela diferença, o que pode ser
uma vantagem. Tento utilizar formas narrativas alternativas ao que está
instituído, como analepses ou cortes abruptos, bem como algumas imagens visuais
muito fortes, acrescidas de um ligeiro grafismo, de modo a provocar uma maior
impressão mental no leitor. O objectivo é não ser apenas mais um.
Odete - Há alguma obra a que possa chamar “o livro da
sua vida”.
Nuno
- Há livros que me marcaram mais do que outros, quer por ter gostado muito de
os ler, como por me terem transmitido uma mensagem importante. É o caso de Os
Pilares da Terra, de Ken Follett, ou O Estranho Caso do Cão Morto, de Mark
Haddon. Mas, por enquanto, O Espião Português é o livro da minha vida. Apesar
de ter uma outra actividade, considero que neste momento escrevo de forma
profissional. Os meus livros estão a disputar tops de vendas com autores
bastante reconhecidos e aplaudidos, o que tem mudado um pouco a minha vida. E
isso devo-o ao meu primeiro romance.
Odete - Segue um plano
disciplinado, com horários específicos para a escrita, ou aproveita a livre
fluidez das ideias?
Nuno
- Procuro seguir um plano que me proporcione um método de trabalho regular, ou
seja, tento gerir o meu tempo de modo a conseguir trabalhar várias vezes por
semana no que estou a escrever. É um equilíbrio difícil de manter e que me está
a obrigar a fazer algumas opções, embora considere estar a conseguir
executá-lo. Há alturas em que consigo ter mais horas disponíveis e aí
aproveito-as para escrever. Há outras em que que assim não o é, e quando tenho
menos tempo, acabo por fazer outras coisas como a reescrita de alguns capítulos
que ficaram menos bem, pesquisa, ou até revisão. Tudo é trabalho.
Odete - Tem mais algum projecto literário em mãos
neste momento? Se sim, pode divulgar-nos um pouco sobre ele?
Nuno
- Sim, neste momento encontro-me a trabalhar no terceiro e último volume da
trilogia Freelancer, continuação de O Espião Português e A Espia do Oriente. Já
tem título e capa, embora não os possa revelar, e encontro-me sensivelmente a
meio. Espero conseguir terminá-lo até ao fim do ano e é inspirado num discurso
de guerra muito famoso. De forma algo sumária, tratar-se-á da conclusão da
série, apesar de, e à semelhança dos dois anteriores volumes, poder ser lido de
forma independente. Começa exactamente na noite em que termina o segundo tomo,
num arco narrativo que se estende por vários anos. Aliás, o livro contém um
prólogo no início da década de oitenta e terminará cerca de cinco anos depois
do tempo presente, isto é, aquele em que se desenrola a maior parte da
história. Será o único volume que terá hiatos temporais e espero que venha a
traduzir a minha maturidade, quer como pessoa, como também enquanto autor. Não
considero a minha escrita como algo estanque, razão pela qual desejo continuar
a aperfeiçoá-la.
Odete - Para terminar,
deixe uma mensagem aos nossos leitores.
Nuno
- Não vos vou aborrecer muito mais. Apenas gostaria de os incentivar a ler,
sejam os meus livros, os de outros autores nacionais, ou mesmo de estrangeiros.
Estes amigos fazem-nos viajar, sonhar, viver e emocionar. Não desistam disso.
Muito obrigado,
Nuno Nepomuceno.
Odete - Muito obrigada
pela sua disponibilidade, a equipa do Destante deseja-lhe muito sucesso!
2 comentários:
É sempre bom conhecer um pouco mais dos "nossos" autores. Boa entrevista.
Obrigada Paulo :)
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