Hoje viajo até ao Japão. Confesso que sempre tive um fascínio especial por este país. Não propriamente por causa das máquinas fotográficas, computadores e automóveis. Nem sequer pelos Samurais ou pela tradição bélica. Antes pelo misticismo, pelo intenso culto do eu interior, pela procura da paz nas entranhas da alma.
E neste mundo tecnológico em que o Japão mergulhou após a segunda guerra mundial aparecem-nos, de vez em quando testemunhos do renascimento dessa alma nipónica que tanto tem para nos ensinar.
Destaco aqui um livro e um músico que encaixam na perfeição. Neles se sintetiza com eficácia a tradição e a modernidade; o ontem e o hoje; a paz da alma e o contexto turbulento do mundo moderno.
Kafka à Beira-Mar, de Haruki Murakami é uma obra magnífica por conseguir aliar um intenso ritmo narrativo a uma caminhada reflexiva capaz de nos fazer, por várias vezes, voltar a página atrás e parar para reflectir. A linguagem, cheia de simbolismo, cativa o leitor pela ironia e acima de tudo pela fantasia. O interior do ser humano é analisado em detalhe, à luz da sabedoria oriental, num meio irremediavelmente ocidentalizado como é o Japão moderno.
Ao longo da obra parece notar-se um certo corte com o conhecimento enquanto caminho para a felicidade; o verdadeiro conhecimento é precisamente aquele que provém do “eu interior”. É nesse sentido que Nakata, o velho, considerando-se “estúpido” porque esqueceu tudo o que aprendera na escola, é o mais sábio porque encerra todo o conhecimento místico que dará luz a todos os mistérios que o enredo encerra. A própria biblioteca não é vista como local de conhecimento mas de solidão; é aí que o espírito pode encontrar a verdade, não nos livros mas em si mesmo.
Trata-se de uma obra de grande alcance filosófico e místico, cheia de simbolismos e onde o mistério e a fantasia resumem todo o lado não racional do ser humano, lado esse que é fundamental na procura da identidade e do verdadeiro sentido da vida.
Kitaro é um músico tão excepcional como desprezado pelo mundo ocidental.
Ele consegue aliar com genialidade os mais modernos recursos instrumentais à tradição musical milenar do país do Sol Nascente.
Ao ouvir o trecho que quero partilhar convosco, há uma força invisível que parece crescer à medida que a música avança; uma força interior que parece soltar-se das notas musicais para nos invadir o espírito. Talvez a mesma força que o velho Nakata, de Murakami, traz consigo desde os espíritos ancestrais.
A música de Kitaro inspira-me paz e tranquilidade. Diria mesmo uma felicidade tranquila que advém da paz interior a que os orientais tão bem conseguem aceder. Uma música para ouvir enquanto se lê mas também para ouvir e repetir, de olhos fechados, deixando que o pensamento suba até para lá das nuvens e do céu, lá onde se encontra a paz.
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