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16/10/2012

1Q84 Volume 3 de Haruki Murakami


1Q84 Volume 3 (outubro-dezembro)
de Haruki Murakami
Edição/reimpressão: 2012
Tradução: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Páginas: 520
Editor: Casa das Letras
ISBN: 9789724621081





"– Importava-se de não fumar, senhor Ushikawa? – perguntou o homem mais baixo. 
Por momentos, Ushikawa fixou o rosto do indivíduo sentado do outro lado da secretária, e depois baixou os olhos para o Seven Stars que tinha entre os dedos. O cigarro não estava aceso.
– Se não lhe causar transtorno – acrescentou o homem, sempre num tom muito delicado.
Ushikawa exibiu uma expressão de perplexidade, como se perguntasse a si mesmo o que fazia ele com aquela coisa na mão.
– As minhas desculpas – disse –, não deveria ter puxado do cigarro. Não tenho qualquer intenção de o acender. Foi um gesto automático."



Assim se inicia o final desta trilogia, 1Q84 de Maruki Murakami, uma longa caminhada, principalmente de espera. O desfecho da história de Aomame e Tengo, o desfecho de uma história de amor. Neste volume (o terceiro) Murakami apoia-se num terceira personagem, Ushikawa um ex-advogado agora fazendo o papel de "detective" privado, para ir explicando todo este puzzle por ele criado. Ushikawa um homem muito singular irá ajudar o leitor a compreender melhor a trama criada, e logo no capitulo inicial faz-nos um refresh dos volumes anteriores. 
Num conversa entre Ushikawa e bola-de-bilhar com rabo-de-cabalo a assistir ficamos inteirados da situação de Masami Aomame, Tengo Kawana, Ayumi Nakado, Kyoko Yasura ou Eriko Fukada um capitulo que nos coloca em boa posição para iniciar a leitura deste volume.
Iniciados na história, Murakami, apresenta as suas alegações finais, será a doença e morte do pai de Tengo o súper empregado estatal da NHK, a aventura de Tengo com a enfermeira Kumi Adachi, o estado do amigo Komatsu, as suas viagens entre cidades enfim um Tengo sempre ocupado. Neste aspecto Tengo será o oposto de Aomame que tem uma vida de clausura no seu apartamento esconderijo e de onde a monotonia só é quebrada por certos telefonemas com Tamaru, e pelo cobrador misterioso da NHK. Entre Tengo e Aomame temos Ushikawa para ligar as suas histórias e se movimentar neste xadrez.


Não gostei do que Murakami fez quando transformou a personagem Ushikawa em capítulos, compreendo o suporte para explicar alguns factos mas dai até estar integrada em capítulos neste terceiro livro acho um pouco exagerado, tal como a sua especial predição para suposições sempre certeiras, "porra" o homem nunca se enganou, nunca segui pelo pensamento errado, achei demais.

Para mim este é sem dúvida o livro menos conseguido desta trilogia (isto deve-se a expectativas), que ao contrário daquilo que já li, esta caminhada está fechada, Murakami completou o ciclo 1Q84, a tudo se pode dar um seguimento mas acho que neste caso tudo está terminado com muita pena minha pois gostava de ver mais "entusiasmo" neste final. 
E tantas pontas que ficaram por rematar, tantos hiatos na minha cabeça. 
Mais uma vez a personagens e os seus capítulos Ushikawa tornaram o volume mais fastioso de se ler, criou com esta personagem mais sobreposições na história.


A tradução fora uma ressalva está muito aprazível e de uma leitura muito fácil.
Esperava mais, mas Murakami não decepciona, pela imaginação pela simplicidade com que envolve o leitor nas suas "loucuras" é um bom livro que explora muito da vida mais terrena; este paralelismo que Murakami cria entre dois anos em dimensões diferentes está muito bem conseguido, as emoções ou a falta delas na sua simplicidade mais clara é fascinante.


Com trilogia estamos perante uma obra muito boa que aconselho a ler.

04/06/2012

Incidental Comics de Haruki Murakami

imagem daqui: http://www.incidentalcomics.com/


"I've spent the last few years devouring the books of Haruki Murakami. Twelve novels, three short story collections, and one memoir later, I came up with this comic. If you have yet to experience the genius of Murakami, keep this Bingo card handy as you delve into his work. I recommend starting with The Wind-Up Bird Chronicle, Kafka on the Shore, or Hard-Boiled Wonderland and the End of the World. You can find this comic in print in Sunday's New York Times Book Review."

17/04/2012

1Q84 V2 de Haruki Murakami

1Q84 Volume 2 (julho-setembro)
de Haruki Murakami   
Edição/reimpressão: 2012
Tradução: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Páginas: 436
Editor: Casa das Letras
ISBN: 9789724620695


"O final da estação das chuvas ainda não tinha sido oficialmente declarado, mas o céu por cima de Tóquio era de um azul intenso e o sol veranil queimava a Terra. Os salgueiros, carregados de folhas verdes ao fim de muito tempo, voltavam a projetar as suas sombras densas e vacilantes sobre o pavimento das ruas.
Tamaru encontrou-se com Aomame à entrada da casa. Vestia um fato de verão em tons escuros, uma camisa branca e uma gravata lisa. Nem uma gota de suor para amostra. Aos olhos de Aomame, continuava a ser um mistério como é que um homem tão corpulento conseguia fazer para nunca transpirar, por mais calor que estivesse."
 
Continua a senda criada por Murakami, Aomame e Tengo vão-se aproximando cada vez mais neste "universo" que insere em si o ano 1Q84 visto que no "nosso" universo, no ano 1984, isso seria praticamente impossível. Murakami vai desvendando este puzzle, complexo, a um ritmo muito lento, encaixa uma peça no capítulo referente à personagem de Aomame e no capítulo seguinte, no capítulo de Tengo, faz uma coisa similar, completando assim dois puzzles com a finalidade de os unir numa grande estória. Senti a falta de capítulo somente dedicado a Fuka-Eri não sei se algum dos leitores teve o mesmo sentimento? sei que possivelmente desvirtualizaria o livro num certo sentido, mas achava merecido.
Um livro que contém aquilo que um livro deve ter; o natural inicio, muito desejado, com um clímax de absorver o leitor naquele emaranhado de situações e não o querer largar mais, o final torna-se menos exuberante não tão apaixonante. Sei que ainda existe mais um livro o volume 3, mas ao contrário do que aconteceu com o volume 1 este volume 2 poderia bem ser o fim desta trilogia.

Com as suas subtilezas Murakami vai colocando dentro deste puzzle peças desconexas que pretendem ser um alerta, ou melhor uma perspectiva, uma ideologia de como a sociedade se encontra; do seu percurso até aqui e que não existe um cura milagrosa para os malfeitas desta sociedade.
Recomendo V1 & V2 como um só.
 

13/04/2012

05/03/2012

09/01/2012

1Q84 de Haruki Murakami




1Q84 (Abril - Julho) – Livro 1
Autor: Haruki Murakami
Título original: 1Q84
Tradução: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Editora: Casa das Letras
N.º de páginas: 487
ISBN: 978-972-46-2053-4
Ano de publicação: 2011




Este livro inicia com Aomame (personagem central de uma das estórias, o nome, como explicado no livro, desta personagem significa ervilha verde) presa num monumental engarrafamento numa autoestrada de Tóquio, vai de táxi para um compromisso importantíssimo ao tomar consciência que não o conseguirá aceita a sugestão do taxista em sair da autoestrada, a pé, por uma saída de emergência e depois seguir seu caminho de comboio. Esta aparente inocente instrutora de artes marciais esconde em si uma assassina profissional a soldo de uma viúva que tem como objetivo aniquilar maridos que sujeitam suas esposas a uma violência doméstica constante.
Este volume, o primeiro de três, altera o seu relato entre Aomame e Tengo em enredos separados que se vão tocando à medida que o romance avança.
Aomame e Tengo de comum tem a profissão, ambos são professores, a primeira é professora de artes marciais (instrutora de defesa pessoal) o segundo professor de matemática. Até neste tipo de pormenor as estórias cruzadas de Murakami se vão tocando.
Tengo é um professor de matemática com muitas expirações a ver publicado o seu primeiro romance assim vai elaborando pequenos trabalhos para Komatsu, um editor pouco convencional, até que um dia este o convence a reescrever uma obra de uma jovem escritora, Fuka-Eri de somente dezassete anos, pois este prodígio literário tem um estilo literário muito pouco atraente, mas a estória por ela criada a "Crisálida de Ar" é de um poder avassalador.
Assim a narrativa alterna entre estas duas estórias (Aomame e Tengo) independentes mas que se vão aproximando pouco a pouco, para o final, em certas passagens, chegam mesmo a se confundirem.

Murakami conduz-nos por várias gerações nipónicas com uma descrição notável, vivemos esses sentimentos, vivemos essas gerações no desfolhar de cada página, muito bom para se contextualizar o romance ou então sou eu que cada vez fico mais fascinado por este tipo de sociedade/cultura. O leitor é empurrado para o secretismo das seitas após as revoluções estudantis da década de setenta e o seu descontentamento com a sociedade da época, a vida imparável e constante de Tóquio a sua claustrofóbica vida citadina em contraste coma a simplicidade das montanhas, a vida dos solitários em vertentes muito separadas que parecem fundir-se em certas personagens.

Mukarami aposta em personagens solitárias com memórias traumáticas profundas, muito bem exploradas (por vezes até demasiado exaustivo) pelo autor num mundo paralelo, numa simbiose muito próxima do realismo que prende o leitor neste constante vaivém da realidade surreal com uma escrita simples e muito eficiente.
Nesta constante alternância entre as estórias das personagens ficamos com aquele "feeling" de "déjà vu" no início de cada capítulo, pode-se tornar maçador estas repetições aliadas a uma descrição muito pormenorizada das personagens e de certos factos, será difícil muitos leitores alinharem pelo gosto deste estilo.
Tive que recorrer à edição Inglesa (correr para uma livraria) para confirmar certos aspetos relativos à tradução, o que me desagradou por um lado, mas fiquei aliviado pois à exceção de um pormenor tudo estava relativamente bem traduzido.

Uma pena muito grande é o leitor ficar pendurado neste primeiro volume... será uma realidade da edição Portuguesa muito ajustada aos nossos hábitos literários? mesmo assim o leitor, não o merecia, mas ficará suspenso (se não optar por outras edições) nesta edição Portuguesa até que a editora nos disponibilize o segundo volume (designado Julho - Setembro), lê-se por ai que tem saída prevista para Maço, muito tempo neste impasse de indefinição.


02/05/2011

Crónica do Pássaro de Corda - Haruki Murakami

Nem sei por onde começar. Talvez pelo fim. Trata-se de um livro fantástico. Talvez o melhor de Murakami.
Este livro é um verdadeiro tratado.
Tudo começa com um enquadramento muito simples. Ele, Toru Okada está desempregado. Trabalhava numa firma de advogados mas despediu-se. Ela, a esposa Kumiko trabalha como editora de uma revista de dietética e alimentação natural. Um emprego vulgar e uma vida aparentemente vulgar. Viviam com um gato, Noboru Wataya, a quem tinham dado o nome do irmão de Kumiko. Um dia o gato desapareceu. E é a partir daqui que tudo começa. Mas começa o quê? Uma série interminável de episódios cada vez mais estranhos à luz das mentes normais. Acontece que não há mentes normais. Não há lógica na vida e essa é uma das coisas mais importantes que Murakami nos ensina.
As personagens vão aparecendo e desfilando perante nós, cada vez mais surpreendentes e encantadoras, quer pela bondade quer pela maldade. Tudo isso é humano. Como humanos são os sonhos e as fantasias.
Toru começa a refugiar-se num poço seco de uma casa maldita. Aí ele vive momentos encantados onde o real e o sonho se misturam. Como na vida.
Tudo em Murakami é simbólico. Mas tudo é explicado. Na mente do leitor vão-se explicando, por si, todos os signos. Eles envolvem significado e significante, que Murakami procura aclarar sem cair naquele simbolismo obscuro que muitos autores cultivaram.
À procura de um gato. Um gato que simboliza a liberdade e a personalidade; aquilo que falta ao ser humano: a coragem de desafiar destinos, de associar sonhos à realidade, de passar fronteiras.
Tudo se passa como as personagens procurassem a todo o custo chegar a situações-limite, sem as quais não há sentido para a vida. No centro do enredo encontram-se ligações às terríveis guerras que o Japão enfrentou: a invasão da Manchuria nos anos 30, com a consequente e dramática guerra sino-japonesa e a segunda guerra mundial. Situações-limite que fizeram nascer um novo Japão. Como na vida das pessoas: é preciso ir ao fundo do poço. É preciso descer ao fundo quando se desce e subir ao topo mais alto quando se sobe.
Ao longo de seiscentas e trinta páginas, Murakami leva-nos pela mão ao encontro das mais absurdas situações. E depressa descobrimos que o absurdo é aparente. Tão aparente como a lógica das coisas. Não há lógica; há apenas aparências. Tudo à nossa volta são mistérios que escondemos para enganar a vida e a consciência.
O exemplo mais notável, mais profundo encontra-se nas últimas páginas do livro. Vamos ver se consigo explicar isto evitando os malditos spoilers: alguém se encontrava sequestrado. E o sequestro acabará da forma mais bela que este humilde leitor poderia imaginar. A personagem estava sequestrada pela sua própria mente. Ela não foi raptada; ela entregara-se ao sequestrador. O que tem isto de encantador? É que de repente descobrimos que aquela personagem e aquela situação nada têm de estranho. Ela é igual a qualquer um de nós: entregara-se a um sequestro, como todos nós. As piores prisões não envolvem grades nem correntes: somos nós que as construímos.
No final do livro, como sempre, só apetece sorrir e dizer bem alto: ARIGATOU, Murakami.

05/01/2011

O Elefante Evapora-se - Haruki Murakami

Trata-se de um livro de contos, escrito por Murakami entre o início dos anos 80 e 1999. Não sou propriamente um apreciador de contos, pelo que este livro não me deleitou tanto como outras obras deste admirável escritor. Mas tratando-se, alguns deles, de obras do seu início de carreira eles são importantes para compreender a influência que Kafka teve, sem dúvida, no seu percurso literário. Fazendo lembrar A Metamorfose, alguns destes contos revelam uma admirável mistura de fantasia e realidade que se tornou uma das “imagens de marca” de Murakami.
O impossível que acontece, o ilógico que se torna óbvio, o absurdo que povoa o quotidiano. Misticismo, mistérios, absurdos, assim se faz o dia a dia do comum dos mortais. Ao fim e ao cabo, é quase impossível definir onde acaba o real e começa o imaginário; na literatura como na vida de cada um de nós. Surreal é sem dúvida a palavra-chave para definir a escrita de Murakami.
No mais brilhante e significativo destes contos (Sono, escrito em 1993), Murakami explora o outro lado, o lado negro, da rotina e da ausência de liberdade. O pesadelo da mulher de meia-idade, fundada na rotina, é o grito desesperado do prisioneiro, da mulher-autómato, atormentada pela solidão. Ao ler Anna Karenina e comendo chocolate (que lhe fora proibido pelo marido), ela empreende uma fuga pelo sonho. Neste conto, Murakami coloca em paralelo a necessidade de dormir com a rotina insustentável da vida. Dormimos como quem morre 8 horas por dia. Todos os dias, rotineiramente. Assim, a insónia é vista como libertação. No entanto, parece haver sempre um preço muito elevado a pagar pela liberdade, como o que teve de pagar o jovem quem fabricava elefantes…
Raros são os escritores que combinam tão eficazmente o real com o imaginário. Murakami fá-lo com um toque de bom-humor que torna a sua escrita tão simples e bela. No entanto, este formato (contos) impede uma linha de pensamento, uma mensagem, que nos habituamos a ler nos livros de Murakami. Daí que este livro não me tenha entusiasmado tanto como qualquer outro deste genial escritor japonês.

26/08/2010

Norwegian Wood - Haruki Murakami

Este foi o primeiro livro de sucesso de Heruki Murakami, publicado em 1987. O título é inspirado numa canção dos Beatles, com o mesmo nome.
O enredo narra a juventude de Toru Watanabe, no final conturbado dos anos 60, numa universidade japonesa. Toru, como qualquer jovem da sua idade, apaixona-se. No entanto, ele viverá um dilema entre duas paixões: Naoko e Midori.
A famosa geração de sessenta, também no Japão, vivia numa encruzilhada: os movimentos estudantis em confronto com a geração conservadora dos pais, a geração saída da segunda guerra mundial. Este conflito de gerações, (que se sentiu também na Europa) colocava em confronto aqueles que viveram a guerra e construíram a recuperação económica com base numa disciplina férrea e os filhos, protegidos pelos pais mas educados nessa disciplina, condição essencial para o grande objectivo de construir a riqueza material.
Ao longo da obra, Murakami encara estes jovens rebeldes (com os quais Toru não se identifica) como pessoas pouco esclarecidas, para quem a rebeldia era um instrumento de afirmação, mais do que de defesa de determinados ideais. A revolta contra a guerra do Vietname ou contra o sistema universitário eram apenas argumentos para uma geração sem ideais. São ideias revolucionárias que nada alterarão; são ideias ocas, desprovidas de conteúdo.
As paixões de Toru (Midori e Naoko) representam duas forças em confronto: Naoko é a tradição, a calma, a paz. Midori é o futuro, a ambição, a excitação do progresso e do desconhecido. Entre estes dois pólos, Toru procura a sua liberdade, a sua afirmação.
A geração antiga revela-se algo fria em termos de afectos para com os filhos. O pai de Midori diz às filhas, aquando da morte da mãe: “mais valia que tivessem morrido vocês”.
Muito significativa, a terapia de Naoko (que sofre de doença psíquica): o sanatório é uma espécie de paraíso na terra, entre a natureza. É nítida a apologia do mundo natural nos livros de Murakami, por oposição à devassidão do mundo dos homens. Trata-se de uma espécie de cooperativa de saúde onde todos se ajudam mutuamente, porque todos têm algo para ensinar. Por outro lado, todos têm deformações (doentes, médicos, funcionários). A diferença é que só alguns reconhecem essas deformações. Diz Reiko, amiga e terapeuta de Naoko: “o que nos torna normalíssimos é o facto de sabermos que não somos normais”.
Já neste seu primeiro romance, Murakami emprega uma linguagem profundamente simbólica; todas as situações parecem ter sido meticulosamente estudadas para exprimir algo que está para além da realidade e para além do texto.
O “Sargento”, colega de quarto de Toru, representa a geração nova: muito ambicioso, trabalhador, mas sem referência éticas ou morais.
O livro é extraordinariamente envolvente. Sem o misticismo e a fantasia dos seus romances posteriores, Murakami constrói um enredo bem mais linear que envolve o leitor numa espécie de solidariedade para com Toru. Talvez este personagem tenha bastante de autobiográfico; no entanto, os dilemas de Toru (os amores, as opções de vida, a forma de encarar o futuro e o passado) são os dilemas de todos nós. Por isso nos revemos nele. Como diz Reiko (a voz da razão neste livro) “todos somos imperfeitos num mundo imperfeito” e, por isso, não devemos encarar os nossos dilemas com demasiada seriedade. A vida exige leveza – essa leveza do ser que Murakami transporta de forma encantadora em todos os seus livros.
É que a vida, às vezes, encarrega-se de decidir por nós. Assim foi com Toru, um homem perdido nas encruzilhadas…

Uma nota de rodapé para a editora Civilização: a qualidade (sofrível) da capa e do papel bem como a (má) qualidade da impressão estão muito longe de justificar um preço de 22.20 €.

25/06/2010

Haruki Murakami - Sputnik, Meu Amor

Sumine e o narrador (a quem nunca é dado nome) estão unidos pelos livros: “para nós, devorar livros era tão normal como respirar”. Numa história de solidão, os livros são o companheiro permanente para quem as encruzilhadas da vida são incontornáveis.
Sumine, a jovem escritora, Miu, a misteriosa empresária e o narrador, um professor silenciosamente apaixonado, vivem caminhos paralelos que nunca se encontram. Tocam-se por momentos fugazes e ilusórios. O resto é a vida: a angústia de uma existência com traços bem definidos mas movida por uma força invisível que os impele para longe das metas do coração. O amor que os une é também o que os separa.
Sputnik é o nome que Sumine dá a Miu, por quem se apaixonara. Sputnik significa “companheiro de viagem”. Mas é um nome absurdo. Sputnik é um satélite de metal que caminha solitário em torno da Terra. Assim é Miu em torno de Sumine – presente mas ausente. Perto, mas longe.
O Japão é talvez o país onde de forma mais evidente se digladiam o progresso tecnológico do mundo capitalista e uma tradição ancestral de humanismo e espiritualidade. Nessa disputa, o capitalismo venceu e o Japão é um país angustiado pela perda desse reduto espiritual. Os livros de Murakami são o espelho dessa angústia. A solidão invadiu o país, inavadiu as almas porque os corpos, esses, continuam a caminha juntos, mergulhados na luta pela sobrevivência.
Escritor de um talento raro, Murakami é o porta-voz da solidão. Os seus personagens pensam e sonham. Porque pensar é a estratégia humana para conciliar o que se sabe com o que não se sabe; para evitar a “colisão”. Sem pensar, só há uma forma de a evitar – sonhando, saindo da realidade.
O trauma de Miu (encarcerada numa roda gigante, vendo-se a si própria fazendo amor com um homem detestável) exprime de forma sublime a dualidade que há no ser humano: ninguém é um ser único nem uno; somos múltiplos; não há um “eu”. Ou, se há, está dividido entre “o lado de cá”, o da realidade concreta e o “lado de lá”, o do sonho, de um mundo criado por uma espécie de eu inconsciente que paira sempre sobre a nossa vida material.
Cada um de nós não é mais que um satélite solitário, gorando perpetuamente em torno da Terra. Cada um vivendo o seu “lado de cá” e a maioria de nós permanece sem saber como chegar ao “lado de lá”. Sentindo-o, por vezes sofrendo com ele, sonhando-o sem conseguir mais do que contemplá-lo, como um satélite solitário condenado a observar as estrelas.
Às vezes, no entanto, o sonho é a única coisa que vale a pena…

13/06/2010

Livros e sons - nº 3

Hoje viajo até ao Japão. Confesso que sempre tive um fascínio especial por este país. Não propriamente por causa das máquinas fotográficas, computadores e automóveis. Nem sequer pelos Samurais ou pela tradição bélica. Antes pelo misticismo, pelo intenso culto do eu interior, pela procura da paz nas entranhas da alma.
E neste mundo tecnológico em que o Japão mergulhou após a segunda guerra mundial aparecem-nos, de vez em quando testemunhos do renascimento dessa alma nipónica que tanto tem para nos ensinar.
Destaco aqui um livro e um músico que encaixam na perfeição. Neles se sintetiza com eficácia a tradição e a modernidade; o ontem e o hoje; a paz da alma e o contexto turbulento do mundo moderno.
Kafka à Beira-Mar, de Haruki Murakami é uma obra magnífica por conseguir aliar um intenso ritmo narrativo a uma caminhada reflexiva capaz de nos fazer, por várias vezes, voltar a página atrás e parar para reflectir. A linguagem, cheia de simbolismo, cativa o leitor pela ironia e acima de tudo pela fantasia. O interior do ser humano é analisado em detalhe, à luz da sabedoria oriental, num meio irremediavelmente ocidentalizado como é o Japão moderno.
Ao longo da obra parece notar-se um certo corte com o conhecimento enquanto caminho para a felicidade; o verdadeiro conhecimento é precisamente aquele que provém do “eu interior”. É nesse sentido que Nakata, o velho, considerando-se “estúpido” porque esqueceu tudo o que aprendera na escola, é o mais sábio porque encerra todo o conhecimento místico que dará luz a todos os mistérios que o enredo encerra. A própria biblioteca não é vista como local de conhecimento mas de solidão; é aí que o espírito pode encontrar a verdade, não nos livros mas em si mesmo.
Trata-se de uma obra de grande alcance filosófico e místico, cheia de simbolismos e onde o mistério e a fantasia resumem todo o lado não racional do ser humano, lado esse que é fundamental na procura da identidade e do verdadeiro sentido da vida.
Kitaro é um músico tão excepcional como desprezado pelo mundo ocidental.
Ele consegue aliar com genialidade os mais modernos recursos instrumentais à tradição musical milenar do país do Sol Nascente.
Ao ouvir o trecho que quero partilhar convosco, há uma força invisível que parece crescer à medida que a música avança; uma força interior que parece soltar-se das notas musicais para nos invadir o espírito. Talvez a mesma força que o velho Nakata, de Murakami, traz consigo desde os espíritos ancestrais.
A música de Kitaro inspira-me paz e tranquilidade. Diria mesmo uma felicidade tranquila que advém da paz interior a que os orientais tão bem conseguem aceder. Uma música para ouvir enquanto se lê mas também para ouvir e repetir, de olhos fechados, deixando que o pensamento suba até para lá das nuvens e do céu, lá onde se encontra a paz.