Ainda pouco conhecido entre nós, José Frèches é um escritor francês que se iniciou na ficção aos 52 anos, com uma trilogia (O Disco de Jade) em que este volume (Os Cavalos Celestes) é o primeiro número.
Surpreendente é o melhor adjectivo para caracterizar esta narrativa. Emocionante, exótica, bem escrita, num estilo por vezes poético, outras filosófico mas sempre objectivo, com um ritmo narrativo excelente, que prende o leitor até à última página e deixa “água na boca” para os números seguintes.
Trata-se de uma história colossal, que se desenrola no misterioso mundo oriental, mais exactamente durante a afirmação do reino de Qin que viria a dar origem à actual China, no séc. III a. C.
Narra-se a vida de Lubuwei, um mercador de cavalos muito rico que compra por preço exorbitante um magnífico disco de jade que, julga ele, lhe trará a fortuna e a imortalidade. A partir daí o destino de Lubuwei cruza-se com a vida das grandes senhores de Qin, o rei, a família real, os nobres e altos funcionários, os eunucos que procuravam controlar a corte e uma miríade de personagens que procuram a qualquer preço alcançar o poder. O reino de Qin passava por uma dramática escassez de cavalos e o nosso herói encontra assim terreno fértil para se afirmar como personagem de vulto naquela teia intrincada de interesses devoradores.
Ao longo de todo o livro é notório o confronto permanente entre as tradições confucionistas e taoistas que moldaram a mentalidade daquele povo e a superioridade cultural chinesa. De facto, numa altura em que a Europa vivia mergulhada na economia rural pré-romana, emergia o embrião do gigante chinês.
O filósofo gago Hanfeizei, por sua vez, encarna uma terceira força: uma sabedoria independente das crenças religiosas, em que se baseará, afinal, o poder político do Grande Império emergente. A sua teoria política, o legalismo, viria a ser a base do sistema imperial. O segredo do sucesso baseia-se na capacidade deste sistema legal para dominar os grandes interesses feudais, algo que poucos sistemas políticos conseguiram até à época contemporânea. Numa interpretação um pouco “livre”, esta concepção legalista do poder faz lembrar esse teórico pioneiro dos sistemas políticos modernos que foi Maquiavel, cerca de 1700 anos depois: o homem não é, na sua base, virtuoso, pelo que só reage mediante prémios ou castigos. Daí a necessidade de justificar um poder político autoritário e personificado num líder.
Aos poucos o legalismo vai superando a predominância da tradição taoista: o reforço do poder político justifica-se pela necessidade de dominar os interesses particulares, egoístas e obscuros. Mas, no reverso da medalha, ao perseguir o Tao, o poder está a roubar aos pobres (que sempre constituíram a maioria silenciada) aquilo que lhe restava: a paz interior.
A admiração do autor pela civilização chinesa nascente manifesta-se também noutros aspectos, como a arquitectura das cidades, predominantemente funcional mas também com padrões estéticos requintados, a música com toda a sua envolvência mística e o erotismo de um povo que aprendeu a cultivar o corpo como complemento da mente e da alma.
Num romance palaciano como este não podiam faltar as intrigas e traições, os jogos de interesses e maquinações diabólicas, que o autor manobra com mestria, prendendo o leitor num enredo bem urdido.
Curioso o papel que Frèches reserva à mulher. As mulheres têm sempre um papel decisivo no jogo político. Os homens controlam mas, no fundo são sempre controlados por elas, através dos seus jogos sensuais e da sedução.
Está de parabéns a editora Bertrand por nos oferecer este magnífico livro a um preço sensacional (cerca de dez euros). Fica a pergunta: se é possível publicar livros como este por este preço, como se justificam alguns "saques" que vemos por aí?
Também publicado em http://aminhaestante.blogspot.com/
1 comentários:
Olá! Despertou-me a curiosidade! Os títulos são atraentes...
Abraço
o falcão
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