04/06/2011

7ª Leitura conjunta do blogue - "C" Tom McCarthy

O livro "alvo" da nossa 7ª leitura conjunta foi "C" de Tom McCarthy. Se leu o livro e deseja participar, pode fazê-lo deixando o seu comentário na caixa dos comentários deste post.
Avisamos que os comentários que se seguem contêm spoilers.



Comentário do Manuel Cardoso:

Serge é um jovem entusiasmado pelas comunicações, na Inglaterra do inicio do século XX. Estávamos num dos períodos de maior progresso técnico de toda a história europeia; por todo o lado viviam-se as consequências da segunda revolução industrial, marcada por duas novas e poderosas fontes de energia: o petróleo e a electricidade.

Nreste contexto, a Inglaterra afirma-se, em definitivo, como a nação mais poderosa do mundo. No entanto, começam a soprar os ventos de guerra, que tornam as comunicações (essencialmente telégrafo e rádio) um alvo preferencial dos investimentos e do encanto dos curiosos, como era o caso do pai de Serge. É nesse ambiente que Serge e a irmã descobrem um mundo de inovação, de encantamento perante o futuro. Se bem que a guerra se aproximava, vivia-se num mundo de optimismo em que a ciência e a técnica prometiam a felicidade suprema. Era a chamada Belle Epoque.

Trata-se de uma obra em que se distinguem com clareza três partes bem definidas. No primeiro capítulo, a meninice e primeira juventude de Serge Carrefax, o autor presenteia-nos com um extraordinário sentido de humor em torno das diabruras das crianças (Serge e sua irmã). Serge e Sophie brincavam com o fogo. Literalmente. Para nós, pais do século XXI é inconcebível imaginar crianças de 10 anos que faziam experiencias a partir de um livro chamado “Ciência a brincar” que ensinava a fabricar pólvora. O pai de Serge é responsável por uma escola de surdos-mudos e na festa anual dos alunos, Sophie usa explosivos para criar os “efeitos especiais” que acompanham a representação teatral. Até que um dia a tragédia acontece. Inevitavelmente. No entanto, a tragédia da morte de uma criança é encarada com uma naturalidade que a nós, um século depois, nos arrepia. Sophie, uma inteligência rara, daquelas que fazem mover o mundo, uma personagem magnífica, morrerá vítima da ciência. A ciência que dá e leva a vida das pessoas.

Sege vai crescendo e apaixona-se pelas comunicações de rádio. O autor apresenta-nos estas experiências com um notável sentido de humor. O ser humano tem uma autêntica compulsão pela comunicação. No entanto, o que distingue Serge é o facto de ele ser um dos pioneiros. É a homens como ele que devemos a aldeia global em que o mundo se transformou; o lado bom do nosso mundo, aliás. Às vezes parece que a história do mundo (e da nossa vida) é um longo combate contra a solidão. Serge procura algo nas transmissões de rádio; talvez algo que o ligue ao mundo após a perda da irmã.

Aproxima-se a guerra. Serge é internado numa clínica onde encontrará a cura mas também o amor. O amor nas vésperas da guerra. Na clínica há pessoas doentes de vários países da Europa: as pessoas como os países: doentes.

Depois Sege irá para a geurra; o livro evolui para um lado sombrio do qual já não sairá. Um dos grandes desencantos desta obra é precisamente este: a partir de certa altura o contexto político impõe ao desenrolar dos acontecimentos um tom cinzento que torna a leitura menos agradável sem que a riqueza do livro fique a ganhar com tal derivação. Serge alista-se na força aérea. A tecnologia entra ao serviço da guerra; o contacto com a morte torna-se vulgar. Serge caminha agora por caminhos obscuros, já não a fugir da solidão mas da morte; a droga entre a coragem e a loucura; caminhos tenebrosos… a guerra foi um motor de progresso, mas à custa de muito sangue…

Na parte final do livro, Serge C (C de Carrefax mas também do Carbono, o elemento mais essencial da vida) trabalho no Egipto, nos confins do Império Britânico. Aliás, no Egipto onde morrerá o Império. E Serge. Sem honra nem glória.

É por isso que este livro é uma homenagem aos heróis anónimos que construíram o nosso mundo. Um livro encantador, que perde muito do ritmo narrativo na parte final mas que não deixa de ser uma obra notável, aliás que só foi superada pelo magnífico “A Questão Finkler” na conquista do Man Booker Prize 2010.

Comentário da Di:

Serge Carrefax spends his childhood at the Versoie House. The Versoie House is run by Serge’s father, who enrols and teaches deaf children to speak. His father is also obsessed with experimenting with wireless telegraphy. Serge has one sister named Sophie and their relationship is a unique one. As young children, Sophie takes many liberties with Serge’s young body (many incestuous insinuations here), which seem to haunt him for the rest of the novel.  Sophie and Serge share a strong connection and even during her funeral, he can still feel their connection; death certainly makes its presence felt during this scene. Serge serves in World War 1 as a radio operator, after recuperating from an illness at a Bohemian spa.  All of Serge’s paths and relationships converge in a scene that takes place in an Egyptian catacomb. I enjoyed the novel; at times it was humorous and at other times it had an eerie feeling.  “C” raises questions about the risks involved when searching for meaning or double meanings from the world. This book felt like a complicated code that needed to be deciphered, just like our lives that we attempt to interpret.

Comentário do Ângelo:

Falando do livro, falando da sua história, falando do que li, bem li o livro e não sei bem o que dizer/escrever dele.

Tom MacCarthy elege Serge Carrefax para personagem central deste seu livro "C" e tudo gira à sua volta. Logo no início do livro deparamo-nos com o nascimento de Serge, um parto realizado pelo Dr. Learmont, uma escrita que nos cativa logo à partida. Serge é filho de Simon uma personagem muito peculiar, seu pai é um inventor, um cientista e também um professor que dirige uma escola para surdos numa província em Inglaterra, uma fazenda em Versoie. Absorvido no seu trabalho de ensinar e tentar patentear algo estrondoso, o seu transmissor, relega para segundo plano sua esposa e com isso a relação entre ambos segue o mesmo rumo, que na mesma fazenda ela assume o controlo da fabricação de seda, mesmo que Simon, seu marido, pense o contrário.

Sophie irmã mais velha de Serge eclipsa-se no primeiro capítulo, tem uma morte súbita aos dezassete anos, Sophie é muito diferente do irmão, Serge tende a seguir os passos do pai, Sophie é uma química/botânica do melhor que a sua escola já teve, as suas experiências nocturnas nos laboratórios da fazenda são deveras interessantes.

Widsun amigo da família chega à fazenda com um cinetoscópio, o qual vai fazer maravilhas entre a comunidade local. O teatro anual das crianças da escola de dia (crianças surdas) ocupa uma grande parte deste capítulo e tem como catapulta a preparação do funeral de Sophie, um funeral teatral e excêntrico.

Após a morte da irmã Serge viaja para Klodebrady, uma cidade Alemã que vive exclusivamente das suas termas e das ditas águas miraculosas, uma passagem que serve para Serge crescer como personagem. Vive obcecado sexualmente por Tânia a sua massagista corcunda, mas passa os dias com uma visitante das mesmas termas onde os dois empatizam nos momentos que precedem as ditas curas.

MacCarthy nesta parte do livro desenvolve a perspectiva entre o lado emocional e racional.

Serge parte após sua estadia em Klodebrady para a guerra onde irá pertencer ao esquadrão de observadores da força aérea Inglesas. Aqui Serge evolui e com ele o romance, parte fantásticas onde do seu RE8 Serge diz estar parado observando o mundo mover-se, sente-se um insecto.

Nesta fase Serge adquire o vicio da droga, uma passagem bastante marcada pelo autor um alerta, uma mensagem de como esta praga se espalhou na sociedade. A sua prisão após o seu avião ter sido "abatido", um descrição do descuro por parte dos alemães no que concerne aos prisioneiros de guerra, coisa que não se voltaria a repetir na seguinte grande guerra.

Serge volta para Londres onde mantêm bem vivo o seu vício pela droga, tenta estudar e é levado por uma sua amiga para uma sessão espírita, onde numa parte divertida do romance Serge descobre como estes suspeitos espíritas enganavam as pessoas.

Após um reencontro com um antigo superior militar Serge parte para o Egípcio para elaborar um dossier sobre a rede de rádio do império britânico, neste momento é-lhe pedido que a par disso se torne espião. Aqui o seu "guia" Petrou vai levar Serge e o leitor por descrições, acontecimentos realmente únicos sobre a cidade, a humanidade.

Tom MacCarthy com este seu "C", todos os capítulos do livro começam por C (Coifa - Chuto - Colisão - Chamada) as palavras-chave ou as mais marcantes também começam por C (Comunicação, Carbono, Cocaína), talvez dai advenha este título muito peculiar. Os temas e os seus capítulos são muito bem estruturados, com uma linguagem acessível mas muito detalhado, cada assunto é dissecado ao pormenor, ve-se muito trabalho de bastidores do autor em quase todos os temas descritos. Este livro vai directo para a estante intermediária pois tem de ser lido novamente tantas pequenas coisas ficaram para trás, demasiadas pontas soltas que merecem ser revistas, um livro complexo com tantas influências (Freud, Kafka, Thomas Mann, entre outros) que realmente merece ter outra oportunidade.

Um livro realmente bom, mas já com um elevado grau de compreensão, podemos cair na tentação de abandonar o livro numa qualquer parte mais confusa, mas mesmo assim um livro muito bom.

Comentário Paula T:

A história começa de forma bastante aliciante e cativante para o leitor. Um médico é chamado para fazer nascer uma criança. Esta criança é o nosso personagem principal “C”. Há um prenuncio de boa sorte para este bebé, pois quando vem ao mundo, vem envolto numa coifa.

Na casa onde Serge nasce o pai dá aulas a crianças surdas/mudas. Uma escola onde é proibido gesticular!

Comunicar faz parte da vida, mas segundo o pai de Serge, é fundamental que se comunique através da fala “aqui ensinamos-lhes a linguagem, não o secretismo e o silêncio. É isso que conduz às guerras” uma crítica ao cinismo da guerra, aos objectivos assim como a todos que a planeiam.

A obsessão pela fala em relação aos surdos/mudos, é tão grande, que o pai de Serge organiza eventos em que as crianças declamam…muitas das vezes o resultado é quase desastroso “as palavras prendem-se e esticam-se e arrastam-se e voltam a silvar. Os pais (…) esforçando-se a apanhar o sentido das frases”

Para Carrefax, a comunicação é a sua vida e a ela dedica todo o seu tempo, relegando para segundo plano a família.

Serge e sua irmã, aventuram-se em laboratório fazendo experiências e causando explosões sem vigia por parte dos adultos. O resultado não poderia ser pior, a sua irmã morre e a solidão invade Serge.

O enterro de Sophie (irmã) é feito de forma bastante teatral. Os alunos voltam a declamar, e as frases saem distorcidas, parecendo vermes a tentar sair da terra e a comunicar…

Apenas Serge sente a morte da irmã de forma diferente. Sente que tudo o que acontece naquele momento não tem nada a ver com a sua irmã nem com a própria morte. A terra terá a partir deste momento um sentido diferente na vida de Serge.

Após a morte da irmã, Serge é “atingido” por uma doença de estômago que o “aprisionará” durante muito tempo num centro de recuperação. Só de lá sairá para a guerra. Na guerra tentará ver na morte algum sentido, já que na morte de sua irmã este sentido esteve ausente.

Ao voltar para casa após a guerra, sente-se deslocado, sente que aquele não é o seu mundo. Parte deste pensamento também se deverá ao facto da ausência da sua alma gémea (Sophie).

Surge a oportunidade de viajar rumo ao Egipto e lá Serge irá ficar… não se cumprindo deste modo o presságio da coifa!

Este é um livro muito rico em informações históricas, acerca de diversos assuntos. No entanto, a partir de uma certa altura a leitura deixa de ser fluida, tem de de ser lido com atenção e alguma persistência. Gostei da escrita do autor, das figuras de estilo usadas que deixam informação e mensagens nas entrelinhas, afinal os códigos e as mensagens são o tema principal do livro.

Gostei, mas recomendo com algumas reservas pelas razões que já referi.

O livro aqui na editora

4 comentários:

Unknown disse...

Uma questão para a qual não consigo resposta: o que terá levado o autor a alterar completamente o estilo na última parte do livro?
Eu acredito que foi aí que ele perdeu o Booker Prize para o Fikler's Question...

Anónimo disse...

Boa noite
Gostei muito de ler os vossos textos.
Fiquei com mais vontade de acabar o livro, que não consegui acabar a tempo de comentar.
Fico com pena.
Mas no próximo espero cá estar outra vez.

Um abraço para todos do blogue
Isabel

Ângelo Marques disse...

Manuel o autor já devia ter o final escrito o inicio foi só um complemento, lol.
Como é o Booker Prize concordo contigo Manuel, mas se fosse o Nobel diria o contrário, perdia pelo seu inicio "demasiado fácil".

Mais uma vez todos nós fomos muito similares na analise deste livro, até a Di na sua sucinta síntese ao livro se ajusta ao resto dos comentários.

Espero ver por aqui um comentário da Isabel.

Abraços

Paula disse...

O livro no seu início é delicioso, mas a partir da I Guerra torna-se complexo e a leitura já não é tão fluída, acontece o mesmo quando "C" viaja para o Egipto, mas penso que, para o autor, a parte mais importante do livro é mesmo a partir do meio. O início é só uma forma de levar o leitor ao que o autor acha mais importante e que nós, (não achando menos importante), gostamos menos.
É um livro, no seu todo muito bom, mas a meu ver não é uma obra fácil. Mas é sem dúvida um desafio :)