Esta história desenrola-se num
estado sulista, na América dos anos 30-40, onde a segregação era uma realidade
natural. Embora tendo lido primeiro “As serviçais”, cujo tema é o mesmo mas
cuja ação se passa nos anos 60, podemos verificar que nada mudou neste hiato
temporal. A narradora é Scout, uma das personagens deste livro que nos descreve
a sua infância, o seu dia-a-dia com o seu irmão mais velho, Jem, numa cidade
Maycomb onde o calor sufocante grassava praticamente o ano inteiro. Pela voz de
Scout depressa chegamos à conclusão que este livro tem o seu “centro” em
Atticus, o pai de ambos. Atticus é viúvo, advogado, um homem íntegro, com um
caráter a toda a prova, uma pessoa calma e serena. É um homem que luta pelas
suas convicções, naquilo em que acredita serem causas justas embora tenha a
consciência que a justiça do seu tempo ainda tem muito que evoluir. Atticus,
sendo viúvo, luta por ser um bom pai, tem consciência das suas limitações nesse
campo pois não é fácil conciliar a profissão com a educação dos filhos. Para
isso tem a ajuda de Calpurnia, a sua empregada de cor, em quem deposita total
confiança, tanto na lida da casa como na educação dos filhos. Scout e Jem
obedecem a Calpurnia mas, acima de tudo, respeitam-na. Mais tarde chama a sua
irmã para ajudar na educação dos filhos mas dispensar Calpurnia está
absolutamente fora de causa. A família de Atticus é das poucas que não vê
qualquer diferença entre brancos e negros e Atticus chega a dizer: “… qualquer
pessoa que se aproveite da ignorância desta gente (negros), não passa de um
miserável…”. Scout e Jem vão-se apercebendo da realidade que os rodeia e o pai
tenta elucida-los, na medida do possível. Um acontecimento irá abalar a rotina
da família assim como o “status quo” reinante na cidade. Atticus é nomeado para
defender um negro acusado de estupro. A partir daí, Atticus será chamado de
“defensor de negros” pelos habitantes da cidade, os filhos farão das tripas
coração para evitar entrar em lutas para defender o pai, Scout nem sempre o
consegue. Aqui é de realçar o carácter de Atticus que, não guardando qualquer
rancor àqueles que o acusam, tenta mesmo justificar perante os filhos os
preconceitos daquela gente que nunca soube viver de outra maneira. A realidade
é que não é fácil viver daquela maneira, serem alvos de reparos e mesmo de
ameaças. O simples facto de Atticus ter sido nomeado para aquele caso pelo juiz
da cidade parece não ter sido decisão inocente, ele que é considerado o melhor
advogado da cidade. Assim chegamos ao ponto alto do livro, o julgamento, a que
os filhos de Atticus assistem (embora proibidos!) na tribuna dos negros, ao
lado do reverendo que eles já conheciam. Atticus consegue desmontar toda a
acusação e demonstrar que os factos trazidos a julgamento não passam de
armadilhas e artimanhas sem quaisquer fundamentos que se destinam tão só a
condenar uma pessoa inocente para salvaguardar a reputação de uma família
branca. O facto de o júri ter deliberado durante horas só por si parece uma
vitória. Será que a mentalidade reinante está a mudar?
Matar uma cotovia tem a ver com
uma injustiça pois a cotovia é um pássaro pacífico que passa a vida a cantar,
não prejudica ninguém, é uma dádiva da natureza. Matá-la seria uma injustiça. Condenar um inocente seria uma injustiça ainda maior.
Neste livro vemos como a autora
nos descreve com mestria, o dia-a-dia daquela cidade que representa fielmente
todos os estados sulistas assim como a mentalidade preconceituosa das suas
gentes. Mas nem todos são assim e isso pode ter consequências. Assim, vemos que
certos acontecimentos podem mudar dramaticamente a vida das pessoas e, neste
caso, assistimos ao amadurecimento precoce de duas crianças cujas únicas
preocupações deveriam ser brincar, ir à escola, crescer.
Para concluir não posso deixar de mencionar o surpreendente
final (que não estamos à espera) em que o círculo se completa ao chegar ao seu
360º grau.
5 comentários:
Um dos livros que mais me agradou ler nos últimos tempos!Harper Lee foi uma descoberta maravilhosa. Só conhecia o "amigo" dela (presente no livro), Truman Capote.
Parabéns por se lembrar!
o falcão
Adorei este livro, contado através dos olhos de uma criança, é lindo!
Luís Miguel,
Este é um belo livro! Adorei!
Boas,
Andava há muito tempo para ler este livro. Acho que valeu bem a pena. Altamente recomendável!
Terminei-o recentemente... E que grande livro!
http://numadeletra.com/13274.html
Cumprimentos,
numadeletra
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