Leitura Conjunta
O Mistério da Estrada de Sintra
de Ramalho Ortigão, Eça de Queirós
Edição/reimpressão: 2011
Páginas: 288
Editor: 11 X 17
ISBN: 9789722523097
de Ramalho Ortigão, Eça de Queirós
Edição/reimpressão: 2011
Páginas: 288
Editor: 11 X 17
ISBN: 9789722523097
Odete Silva
Ângelo Marques
Miguel Rodrigues
Manuel Cardoso
Já leio Eça de Queirós desde os meus dezasseis anos, e li praticamente todos os seus livros, mas este que consideram o primeiro romance de cariz policial em português, que por sinal é “um” dos meus géneros favoritos ainda não tinha lido, uma falha da minha parte.
Espectacular na minha opinião, é um livro que está muito bem escrito, Eça e Ramalho souberam descrever muito bem os pormenores da época, do ambiente, os amores e desamores dos personagens, o adultério que aqui é retratado, nada é deixado ao acaso.
A história começa por cartas de diferentes pessoas que relatam os acontecimentos que observaram e em que estiveram envolvidas neste misterioso crime, que são enviadas ao redactor do Diário de Notícias.
E isto tudo começa quando um médico e o seu amigo são raptados por homens mascarados na estrada de Sintra, vendados e levados para uma casa desconhecida para verificar se um homem que se encontra na mesma está mesmo morto, eles querem ter a confirmação do médico. Estão todos juntos nessa casa quando são surpreendidos com a chegada de um jovem, que acaba por vir a esclarecer toda a história. Mas até lá vamos ao longo desta narrativa tentar juntar todos os pormenores com todas as voltas e reviravoltas, sem nunca se desvendar o nome ou os lugares onde se encontram, achei muito bem feito todo este mistério em volta dos mesmos.
Nós somos envolvidos neste enredo, senti empatia pelos personagens porque se tornam verdadeiros, profundos e reais.
Portanto um livro com todos os ingredientes para manter-nos agarrados - sequestro, morte e bastante mistério. Uma leitura muito agradável.
A escrita de Eça é simplesmente sublime, em parceria com Ramalho Ortigão, deu origem a uma história estupenda. Um livro com uma narrativa intemporal. Gostei muito.
Ângelo Marques
“Não, isto não deve ser:
o amor não é uma creação literária, é um facto da natureza; como tal produz
direitos, origina deveres. E os direitos do amor não os abdico.” pág. 163
Um médico e seu amigo F.
(o livro está repleto de inicias sob o desígnio de esconder a personalidade a
que se referem, ou não teríamos no titulo do livro mistério) são raptados numa
estrada de Sintra, e levados, encapuçados, a uma casa para verificarem (neste
caso o doutor dar a sua opinião) sobre um suposto homicídio.
O início do romance é
todo ele um mistério, um início que nos remete para um bom policial (o rapto, o
mistério), mas depois somos confrontados com uma viagem que a condessa W.
(Luísa) e seu marido e primo H. fazem a Malta, onde conhece Rytmel um capitão Inglês
por quem W. se apaixona tragicamente, aqui o romance tem uma evolução poética e
descritiva. No desfecho somos confrontados com o desvendar da trama, as
respostas aos porquês, enfim uma parte mais de introspectiva emocional, uma
parte mais sentimental. E assim temos um grande romance.
Este é um romance de Eça
de Queirós em conjunto com Ramalho de Ortigão os dois foram enviando cartas ao
redactor do Diário de Notícias de forma sempre anónima criando assim uma
curiosidade nos leitores e na sociedade lisboeta da altura, este enredo
decorreu durante dois meses (24 de Julho e 27 de Setembro de 1870), só de
imaginar a socialite a cogitar quem seriam aqueles "actores" deve ter
dado um gozo enorme aos autores.
Li este livro numa versão
se não original muito próxima o que me deu um gosto enorme, a leitura saiu
valorizada pois palavras como Theatro, Aquella, Cahindo, Supponha-a,
Architectonicos dão um valor muito poético a esta leitura.
Com muito gozo meu que vi
Carlos Fradique Mendes nesta aventura, personagem que já acompanhei noutras
leituras.
Miguel Rodrigues
Escrito por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, “O mistério da estrada de Sintra” é um romance que vai muito para além do crime à volta do qual gira a intriga. A descrição deste misterioso assassinato é feita de uma forma bastante original pois os pormenores são publicados, de forma anónima, no Diário de Notícias, como se de um folhetim se tratasse. Os testemunhos das pessoas que se viram envolvidas no caso vão sendo publicadas no referido jornal e os factos vão-se sucedendo gradualmente, o enredo vai-se desanuviando até que o misterioso caso seja enfim esclarecido. Tratando-se de um assassinato deveras intrigante, toda a história começa com o rapto de dois amigos que passeavam pela estrada de Sintra. Os dois homens, o doutor e o F. (como assim são chamados), são levados numa charrete por uns indivíduos mascarados até uma casa onde se encontra um homem morto. O doutor é raptado com o propósito de verificar se o homem que jaz na casa está realmente morto. Esse facto é facilmente confirmado pelo doutor que observa, para além disso, uma série de incongruências naquele quarto que lhe levantam uma série de suspeitas. Terá o homem se suicidado ou terá, pelo contrário, sido cometido um assassinato? Enquanto estão todos na casa, são surpreendidos por um intruso que entra naquela casa a altas horas da noite. É mais um dos intervenientes neste caso onde as dúvidas imperam. O intruso é um homem que será identificado como A.M.C.
O caso, como já referi, apesar de misterioso, vai-se tornando transparente e será esclarecido à medida que os relatos são publicados. Como é habitual em Eça de Queirós, através da sua escrita, vemos que ele nos faz uma descrição e uma crítica à sociedade daquela época. Uma das críticas que retive foi que, muitas vezes, o mérito pessoal, apesar de muito esforço, não é recompensado e as pessoas com mérito são preteridas por aquilo a que se pode designar de “sucessão pela linhagem”. Os autores fazem uma comparação entre A.M.C., estudante de medicina, que, apesar do seu mérito e esforço, se sente injustiçado por ter que passar por um sem número de dificuldades enquanto estudante. Por outro lado, pessoas como a condessa, com quem ele se vai envolver, vivem uma vida de luxo, de opulência e cheia de futilidades, mas vazia e sem significado. A sua linhagem e os seus bens permitem-lhe ter uma vida despreocupada, muito para além do sonho de qualquer estudante ou pessoa de “classe” inferior.
Outra menção que achei curiosa foi quando os autores referem que o romance será um género literário com crescente importância e perspetivam-lhe um futuro auspicioso.
A condessa, personagem central de toda a história, é uma pessoa que vive em função das suas paixões romanescas e representa essa sociedade fútil. Essa sociedade em continuam a valer palavras como honra e a palavra dada. O sentido crítico é sempre de realçar, e quando somos transportados com mestria a percorrer as ruas e ambiente descrito pelos autores, vale sempre a pena termos estes romances como prova futura.
Manuel Cardoso
Uma paixão desmedida, uma mulher adultera, uma viagem num navio a vapor e, cereja em cima do bolo, um crime com requintes de absurdo e de mistério. Aqui estão os ingredientes para este Mistério da Estrada de Sintra, que será o primeiro livro de vulto publicado por Eça de Queirós, em parceria com Ramalho Ortigão com quem escreveria, a partir do ano seguinte (1871) essa obra genial que é As Farpas. O grande mestre da literatura portuguesa publicou este livro com apenas vinte e cinco anos. Talvez isto explique algum carater ingénuo que se “lê” nesta obra. Mesmo assim, é uma publicação histórica: trata-se da primeira narrativa policial da história da literatura portuguesa, talvez influenciado pelos contos de Edgar Allan Poe que Eça certamente leu. Por outro lado é nítida a influência da escrita realista francesa, nomeadamente de Flaubert, que Eça lia e admirava.
No entanto, parece óbvia uma certa vontade de ridicularizar a escrita romântica então em voga em Portugal, nomeadamente os grandes dramas do coração que redundam em tragédias “de faca e alguidar”. Ou seja: Eça e Ortigão conseguem criar uma obra histórica ao nível do romance policial e, ao mesmo tempo caricatura a realidade literária portuguesa daquele tempo.
Trata-se de um livro em que Eça revela já uma propensão nítida para a ironia e a sátira, caricaturando os costumes burgueses e da classe média lisboeta: o marido ausente e a mulher que, sem ocupações úteis, se expõe às tentações da carne. Assim, a protagonista, a condessa W. é uma espécie de mistura entre a Madame Bovary de Flaubert e o jovem Werther de Goethe: comete adultério mas acaba por cair na depressão do remorso, da culpa e vítima de si própria.
Em termos de estilo, estamos longe das páginas mais brilhantes de Eça de Queirós: as descrições são por vezes demasiado exaustivas e o ritmo narrativo é por vezes demasiado lento. No entanto, o livro vale pelo seu caráter pioneiro e pela crítica social que esta dupla de grandes escritores trariam à cena com as brilhantes “Farpas”.
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