CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
ROSALINA
– PARTE III
Sabem
o que é melhor do que um fim de semana de borla longe de casa, com
tratamento spa incluído, quarto com vista para o Douro, strip
masculino à noite, uma imensidão de shots até
cair para o lado e acordarmos no dia a seguir sem ter a certeza do
quão rebeldes fomos? E tudo isto sem filhos, marido e conhecidos por
perto? Não sabem? Eu digo-vos. Uma reunião da Bimby
na casa da vereadora do pelouro da cultura, casada com o director
geral do hospital central, estando presentes a maioria das mulheres
importantes da cidade. E, pela primeira vez, eu fui convidada. Sabem
quanto batalhei para obter este estatuto? Não fazem ideia.
Portanto,
sinto-me o máximo.
A
reunião iniciava à tarde e, pelo que me constou, alguém cozinharia
e acabaríamos todas por nos consolarmos com o repasto testado na
miraculosa máquina de fazer comida. Passei a manhã toda entre a
casa de banho – estava uma pilha de nervos, e nem tinha abusado do
sumo de laranja -, os cremes de beleza e os telefonemas para a
esteticista. Acabei por descobrir que esta, infelizmente tinha
regressado sem me avisar para o país de origem, deixando-me com as
calças na mão. Tinha recorrido a ela nos últimos anos por não me
cobrar um cêntimo, depois de eu a ter ajudado num processo que a
impedira de ir parar à prisão por falta de documentos. Na verdade,
qualquer advogada a safaria, mas eu fiz questão de lhe demonstrar
que o meu trabalho havia sido de uma dificuldade ímpar, sentindo-se
ela, assim, em dívida para comigo para a eternidade. Resultado?
Tratamento semanal de borla. No futuro teria de me virar para outro
lado, já que a gaja havia desaparecido. Daí que nesta manhã teria
de ser eu a fazer o buço e pintar as unhas das mãos.
Depois
de tratar de mim e da minha natureza – tive de enfiar imodium
pelas goelas abaixo -, comi duas bolachas de água e sal e mandei o
meu marido comprar frango no churrasco para ele e para os miúdos.
Eu
tinha coisas mais importantes para fazer.
Primeiro
fui a uma pastelaria cuja dona eu tinha safo de uma multa pesada da
ASAE. Trouxe uma série de bolos em miniatura – deviam pesar uma
meia dúzia de quilos – de borla, claro! De seguida passei numa
garrafeira localizada no centro que, outrora, eu tinha impedido que
fechasse, depois de me ter mexido pelos organismos competentes.
Arrependi-me assim que sai da loja, munida com garrafas de vinho do
Porto e Moscatel, pois não estava habituada a carregar pesos.
Por
isso, chamei um táxi que me transportou por meio quilómetro. Quando
cheguei percebi que não havia movimento no local onde o evento se
realizaria, daí que tenha solicitado uma volta pela cidade, que nem
uma turista, apesar de o motorista ser o marido da empregada que me
passa a roupa a ferro. Como tinha à vontade com ele, e certamente
não me cobraria a viagem, mandei dar mais um par de voltas.
Afinal,
as estrelas são sempre as últimas a chegar...
Então,
quando o taxista me deixou na mansão da vereadora, já toda a gente
tinha chegado. Quando entrei na sala gritei um 'cheguei' bem alto e
toda a gente reparou em mim e nas iguarias que trazia – se bem que
o taxista podia ter uma apresentação mais aceitável -, olhando-nos
de alto a baixo, de expressão enraivecida por não terem sido tão
atenciosas quanto eu. Mas a anfitriã quase correu na minha direcção,
beijando-me e abraçando-me assim que me alcançou.
Aquilo
que começou bem e terminou melhor. Falámos das nossas vidas felizes
e bem-sucedidas, dos nossos sonhos que estavam praticamente
alcançados e das poucas metas que nos restavam cumprir.
Tudo
tretas.
Mas
cada uma de nós ria com uma naturalidade que até a nós mesmas
seriamos capazes de enganar.
Claro
que quem começou por cozinhar fui eu. Nunca fui boa cozinheira, mas
toda a gente dizia que a bimby fazia tudo sozinha. Contudo,
quando me encontrei atrapalhada, desculpei-me que tinha de ir à casa
de banho – não era desculpa nenhuma, mas sim o efeito dos
comprimidos que tinha passado – e quando voltei à sala já estava
tudo a comer. Acotovelei toda a gente para chegar à mesa e
principalmente junto da vereadora..
A
comida estava uma porcaria e aproveitei para criticar quem a havia
confeccionado – devia estar nervosa por se encontrar na presença
de gente tão importante -, acabando eu, a vereadora e as suas amigas
mais próximas por gozarmos com a situação. Nesse momento senti-me
a mulher mais feliz do mundo, pelo simples facto de me ter apercebido
que, afinal, elas não eram assim tão diferentes de mim.
2 comentários:
Ah!Ah!Ah!
Esta da Bimby ninguém se lembraria.Adorei,acho genial!
E agora teremos direito a outro capítulo na quinta?!...
Muito bem descrito a vida social de certas pessoas.
Como quem nao quer nada ou finge que nao da por isso existe muita gente assim. Continua...
Enviar um comentário