12/03/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


ROSALINA – PARTE III

Sabem o que é melhor do que um fim de semana de borla longe de casa, com tratamento spa incluído, quarto com vista para o Douro, strip masculino à noite, uma imensidão de shots até cair para o lado e acordarmos no dia a seguir sem ter a certeza do quão rebeldes fomos? E tudo isto sem filhos, marido e conhecidos por perto? Não sabem? Eu digo-vos. Uma reunião da Bimby na casa da vereadora do pelouro da cultura, casada com o director geral do hospital central, estando presentes a maioria das mulheres importantes da cidade. E, pela primeira vez, eu fui convidada. Sabem quanto batalhei para obter este estatuto? Não fazem ideia.
Portanto, sinto-me o máximo.
A reunião iniciava à tarde e, pelo que me constou, alguém cozinharia e acabaríamos todas por nos consolarmos com o repasto testado na miraculosa máquina de fazer comida. Passei a manhã toda entre a casa de banho – estava uma pilha de nervos, e nem tinha abusado do sumo de laranja -, os cremes de beleza e os telefonemas para a esteticista. Acabei por descobrir que esta, infelizmente tinha regressado sem me avisar para o país de origem, deixando-me com as calças na mão. Tinha recorrido a ela nos últimos anos por não me cobrar um cêntimo, depois de eu a ter ajudado num processo que a impedira de ir parar à prisão por falta de documentos. Na verdade, qualquer advogada a safaria, mas eu fiz questão de lhe demonstrar que o meu trabalho havia sido de uma dificuldade ímpar, sentindo-se ela, assim, em dívida para comigo para a eternidade. Resultado? Tratamento semanal de borla. No futuro teria de me virar para outro lado, já que a gaja havia desaparecido. Daí que nesta manhã teria de ser eu a fazer o buço e pintar as unhas das mãos.
Depois de tratar de mim e da minha natureza – tive de enfiar imodium pelas goelas abaixo -, comi duas bolachas de água e sal e mandei o meu marido comprar frango no churrasco para ele e para os miúdos.
Eu tinha coisas mais importantes para fazer.
Primeiro fui a uma pastelaria cuja dona eu tinha safo de uma multa pesada da ASAE. Trouxe uma série de bolos em miniatura – deviam pesar uma meia dúzia de quilos – de borla, claro! De seguida passei numa garrafeira localizada no centro que, outrora, eu tinha impedido que fechasse, depois de me ter mexido pelos organismos competentes. Arrependi-me assim que sai da loja, munida com garrafas de vinho do Porto e Moscatel, pois não estava habituada a carregar pesos.
Por isso, chamei um táxi que me transportou por meio quilómetro. Quando cheguei percebi que não havia movimento no local onde o evento se realizaria, daí que tenha solicitado uma volta pela cidade, que nem uma turista, apesar de o motorista ser o marido da empregada que me passa a roupa a ferro. Como tinha à vontade com ele, e certamente não me cobraria a viagem, mandei dar mais um par de voltas.
Afinal, as estrelas são sempre as últimas a chegar...
Então, quando o taxista me deixou na mansão da vereadora, já toda a gente tinha chegado. Quando entrei na sala gritei um 'cheguei' bem alto e toda a gente reparou em mim e nas iguarias que trazia – se bem que o taxista podia ter uma apresentação mais aceitável -, olhando-nos de alto a baixo, de expressão enraivecida por não terem sido tão atenciosas quanto eu. Mas a anfitriã quase correu na minha direcção, beijando-me e abraçando-me assim que me alcançou.
Aquilo que começou bem e terminou melhor. Falámos das nossas vidas felizes e bem-sucedidas, dos nossos sonhos que estavam praticamente alcançados e das poucas metas que nos restavam cumprir.
Tudo tretas.
Mas cada uma de nós ria com uma naturalidade que até a nós mesmas seriamos capazes de enganar.
Claro que quem começou por cozinhar fui eu. Nunca fui boa cozinheira, mas toda a gente dizia que a bimby fazia tudo sozinha. Contudo, quando me encontrei atrapalhada, desculpei-me que tinha de ir à casa de banho – não era desculpa nenhuma, mas sim o efeito dos comprimidos que tinha passado – e quando voltei à sala já estava tudo a comer. Acotovelei toda a gente para chegar à mesa e principalmente junto da vereadora..
A comida estava uma porcaria e aproveitei para criticar quem a havia confeccionado – devia estar nervosa por se encontrar na presença de gente tão importante -, acabando eu, a vereadora e as suas amigas mais próximas por gozarmos com a situação. Nesse momento senti-me a mulher mais feliz do mundo, pelo simples facto de me ter apercebido que, afinal, elas não eram assim tão diferentes de mim.

2 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Ah!Ah!Ah!
Esta da Bimby ninguém se lembraria.Adorei,acho genial!
E agora teremos direito a outro capítulo na quinta?!...

Fernanda R-Mesquita disse...

Muito bem descrito a vida social de certas pessoas.
Como quem nao quer nada ou finge que nao da por isso existe muita gente assim. Continua...