CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
GRAÇA
– PARTE I
(Nota:
qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é,
obviamente, pura coincidência)
Olá,
como estão, senhores eleitores? Em que posso ser útil? Vai uma
cunhazinha para um cargo vulgar mas que passado seis meses se tornará
num emprego sólido, seguro e bem remunerado, numa subida vertiginosa
que nem o crescimento exponencial de uma colónia de bactérias que
provoca uma doença mortal e fulminante? Ou então a ocultação de
um processo capaz de desmoronar uma sociedade e toda uma classe
política, mas que por obra de um acaso pode ir parar atrás de um
móvel que jamais será arrastado? E, acreditem, não há ministérios
no mundo com móveis mais difíceis de arrastar do que os
portugueses. Também se pode arranjar forma de se ganhar dinheiro sem
investir dinheiro! É só virem ter connosco, nobres políticos,
descendentes de gente humilde que tudo o que conquistou na vida foi
através do suor - e jantares partidários quando ainda usávamos
fraldas. Em troca, não pedimos nada. Ou melhor, quase nada quando
comparando com os vossos proveitos.
Pois é, caros eleitores, votem
em nós e um futuro ser-vos-à garantido!
Esta foi a mensagem que passou
quando fui eleita para o ministério da educação - isto dantes era
Ministério da Educação, mas fomos despromovidos pela humanidade
assim como deus, que já foi Deus mas que já não o é. Eu
trabalhava na câmara municipal e fui convidada por um antigo
professor da faculdade para dar um espantoso futuro aos nossos
queridos e adorados e esbeltos alunos - esses vermes! Este professor
sempre acreditou no meu potencial. Afinal, não era qualquer uma que
fazia a posição 74 do Kama Sutra ilustrado de uma edição indiana
do mesmo ano da posição em questão. Por isso, quando o meu antigo
professor me convidou - acabado de ser eleito primeirinho ministrinho
- também já se chamou primeiro ministro, mas, lá está, a
pequenez tem destas coisas - eu aceitei logo. Sempre fui aluna de 20
em economia e matemáticas aplicadas. Na verdade, cursei arquitectura
no ensino superior privado, se bem que fiz essas duas cadeiras mais
tarde, quando precisei delas, e, adivinhem, não tendo bases nem
estudado tirei 20 nos dois exames! Fui considerada genial, logo capaz
de governar o que quer que seja. Por acaso até foi o próprio reitor
que me classificou e me aprovou em ambas as matérias, que
ironicamente era amigo do meu professor, perdão, primeirinho
ministrinho, e que também por um mero acaso era doutorado em orgias
às escuras com exercício simultâneo de mãos, pés, membros
extensíveis e tronco. Rapidamente me tornei mestre nessa área, só
que às claras.
Dizia, portanto, que o meu
discurso, para vocês, eleitores, seria o que está citado acima,
logo no primeiro parágrafo. Contudo, nós, políticos, não podemos
dizer as coisas como elas são. Nunca o fazemos. Senão não éramos
políticos mas sim uma espécie de pregadores com poderes sociais. E
a política é uma arte. Só deus, o tal que já foi Deus, pode saber
como não proceder a um diálogo verdadeiro. Por isso, aquilo que
digo aos meus antigos e futuros eleitores - porque agora fui eleita
mas tenciono sê-lo de novo que isto da política é como uma pescada
de rabo na boca - é o seguinte - dito com um timbre de voz poderoso:
'caros eleitores, sabemos que os tempos são difíceis pelo que vamos
acabar com a política de agressão ao povo que o anterior governo
teve para com os seus concidadãos! Chega de agressão! Chega de
negativismo! O caminho é para a frente, por isso vamos mudar o país,
vamos mudar Portugal! - e aqui esganiço propositadamente a voz para
parecer que estou a sentir o que digo, deixando escapar uma farpa,
não ao adversário da oposição mas daquelas que me saem das
entranhas - Nós vamos dar dignidade a este povo! Porque ele precisa
de nós, hoje mais do que nunca! É essa a nossa tarefa! Corresponder
à esperança que detectamos no olhar de cada um de vós! Porque sois
Portugal! - esganiço novamente - Porque nós vamos dar-vos um novo
rumo! - pisco muito os olhos para ver se sai uma lágrima que ficaria
espantosa numa câmara de filmar que me foca.'
Foi assim o meu discurso na
Charneca da Caparica depois de tomar posse, num comício em que demos
pouca comida e muito vinho às pessoas para que ficassem mais
sensíveis, entusiasmadas e susceptíveis. Até acho que os
americanos faziam o mesmo com os seus soldados, se bem que utilizando
outras substâncias. E toda a gente sabe que os americanos são os
maiores.
Quando
o discurso terminou, beijei os meus filhos e o meu marido. Depois fui
levada em ombros. Trataram de me apalpar o rabo e as mamas enquanto
isso - o álcool tem estes efeitos secundários -, e depois fui
directa para a cama.
Na semana seguinte arregacei as
mangas e fiz-me ao trabalho. Umas das primeiras chamadas que recebi
foi da Turquia. O Moustafa pedia um favor. Claro que acedi, tinha de
cumprir para com os meus eleitores e, afinal de contas, ele sempre
havia sido bom a Geografia, dissera-me ele. Pelo menos fora ágil a
percorrer as montanhas do meu corpo, embora fosse demasiado rápido
na aproximação às cordilheiras. Bem, na verdade era uma merda. Mas
a merda faz parte do mundo. E, diga-se, também a ela tem de ser dar
uma oportunidade, senão nunca deixará de o ser. Da mesma forma que
as flores precisam de adubo para se fortalecerem, também os alunos
precisam de merda para se tornarem mais rijos. Não faz sentido, pois
não? Mas, adivinhem, sou ministra, logo eu é que sei e, além do
mais, sou eu que mando. Por isso, caluda que tenho quatro anos para
fazer o que me apetecer: Por falar nisso, preciso de mandar remodelar
o interior do meu gabinete que aquilo está uma merda.
1 comentários:
Mais uma vez o VASCO surpreende-nos com uma fabulosa personagem bem a propósito em época eleitoral...
Este autor tem tudo:escrita soberba,humor fantástico e ,agora,sentido de oportunidade.Resumindo ,ADOREI a Graça que promete ser fresca para assar...
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