30/08/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


GRAÇA – PARTE I

(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é, obviamente, pura coincidência)

Olá, como estão, senhores eleitores? Em que posso ser útil? Vai uma cunhazinha para um cargo vulgar mas que passado seis meses se tornará num emprego sólido, seguro e bem remunerado, numa subida vertiginosa que nem o crescimento exponencial de uma colónia de bactérias que provoca uma doença mortal e fulminante? Ou então a ocultação de um processo capaz de desmoronar uma sociedade e toda uma classe política, mas que por obra de um acaso pode ir parar atrás de um móvel que jamais será arrastado? E, acreditem, não há ministérios no mundo com móveis mais difíceis de arrastar do que os portugueses. Também se pode arranjar forma de se ganhar dinheiro sem investir dinheiro! É só virem ter connosco, nobres políticos, descendentes de gente humilde que tudo o que conquistou na vida foi através do suor - e jantares partidários quando ainda usávamos fraldas. Em troca, não pedimos nada. Ou melhor, quase nada quando comparando com os vossos proveitos.
Pois é, caros eleitores, votem em nós e um futuro ser-vos-à garantido!
Esta foi a mensagem que passou quando fui eleita para o ministério da educação - isto dantes era Ministério da Educação, mas fomos despromovidos pela humanidade assim como deus, que já foi Deus mas que já não o é. Eu trabalhava na câmara municipal e fui convidada por um antigo professor da faculdade para dar um espantoso futuro aos nossos queridos e adorados e esbeltos alunos - esses vermes! Este professor sempre acreditou no meu potencial. Afinal, não era qualquer uma que fazia a posição 74 do Kama Sutra ilustrado de uma edição indiana do mesmo ano da posição em questão. Por isso, quando o meu antigo professor me convidou - acabado de ser eleito primeirinho ministrinho - também já se chamou primeiro ministro, mas, lá está, a pequenez tem destas coisas - eu aceitei logo. Sempre fui aluna de 20 em economia e matemáticas aplicadas. Na verdade, cursei arquitectura no ensino superior privado, se bem que fiz essas duas cadeiras mais tarde, quando precisei delas, e, adivinhem, não tendo bases nem estudado tirei 20 nos dois exames! Fui considerada genial, logo capaz de governar o que quer que seja. Por acaso até foi o próprio reitor que me classificou e me aprovou em ambas as matérias, que ironicamente era amigo do meu professor, perdão, primeirinho ministrinho, e que também por um mero acaso era doutorado em orgias às escuras com exercício simultâneo de mãos, pés, membros extensíveis e tronco. Rapidamente me tornei mestre nessa área, só que às claras.
Dizia, portanto, que o meu discurso, para vocês, eleitores, seria o que está citado acima, logo no primeiro parágrafo. Contudo, nós, políticos, não podemos dizer as coisas como elas são. Nunca o fazemos. Senão não éramos políticos mas sim uma espécie de pregadores com poderes sociais. E a política é uma arte. Só deus, o tal que já foi Deus, pode saber como não proceder a um diálogo verdadeiro. Por isso, aquilo que digo aos meus antigos e futuros eleitores - porque agora fui eleita mas tenciono sê-lo de novo que isto da política é como uma pescada de rabo na boca - é o seguinte - dito com um timbre de voz poderoso: 'caros eleitores, sabemos que os tempos são difíceis pelo que vamos acabar com a política de agressão ao povo que o anterior governo teve para com os seus concidadãos! Chega de agressão! Chega de negativismo! O caminho é para a frente, por isso vamos mudar o país, vamos mudar Portugal! - e aqui esganiço propositadamente a voz para parecer que estou a sentir o que digo, deixando escapar uma farpa, não ao adversário da oposição mas daquelas que me saem das entranhas - Nós vamos dar dignidade a este povo! Porque ele precisa de nós, hoje mais do que nunca! É essa a nossa tarefa! Corresponder à esperança que detectamos no olhar de cada um de vós! Porque sois Portugal! - esganiço novamente - Porque nós vamos dar-vos um novo rumo! - pisco muito os olhos para ver se sai uma lágrima que ficaria espantosa numa câmara de filmar que me foca.'
Foi assim o meu discurso na Charneca da Caparica depois de tomar posse, num comício em que demos pouca comida e muito vinho às pessoas para que ficassem mais sensíveis, entusiasmadas e susceptíveis. Até acho que os americanos faziam o mesmo com os seus soldados, se bem que utilizando outras substâncias. E toda a gente sabe que os americanos são os maiores.
Quando o discurso terminou, beijei os meus filhos e o meu marido. Depois fui levada em ombros. Trataram de me apalpar o rabo e as mamas enquanto isso - o álcool tem estes efeitos secundários -, e depois fui directa para a cama.
Na semana seguinte arregacei as mangas e fiz-me ao trabalho. Umas das primeiras chamadas que recebi foi da Turquia. O Moustafa pedia um favor. Claro que acedi, tinha de cumprir para com os meus eleitores e, afinal de contas, ele sempre havia sido bom a Geografia, dissera-me ele. Pelo menos fora ágil a percorrer as montanhas do meu corpo, embora fosse demasiado rápido na aproximação às cordilheiras. Bem, na verdade era uma merda. Mas a merda faz parte do mundo. E, diga-se, também a ela tem de ser dar uma oportunidade, senão nunca deixará de o ser. Da mesma forma que as flores precisam de adubo para se fortalecerem, também os alunos precisam de merda para se tornarem mais rijos. Não faz sentido, pois não? Mas, adivinhem, sou ministra, logo eu é que sei e, além do mais, sou eu que mando. Por isso, caluda que tenho quatro anos para fazer o que me apetecer: Por falar nisso, preciso de mandar remodelar o interior do meu gabinete que aquilo está uma merda.


1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Mais uma vez o VASCO surpreende-nos com uma fabulosa personagem bem a propósito em época eleitoral...
Este autor tem tudo:escrita soberba,humor fantástico e ,agora,sentido de oportunidade.Resumindo ,ADOREI a Graça que promete ser fresca para assar...