12/09/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
 
GRAÇA – PARTE X

(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é, claro, pura coincidência)
 
Um horror! É o que tenho dizer, meus caros. Um autêntico horror.
Tudo começou quando eu saía de uma escola profissional de onde se formam excelentes carpinteiros. Não são uns carpinteiros quaisquer! São profissionais letrados. Daqueles que sabem construir uma frase com mais de cinco palavras e têm consciência de que Dan Brown é um escritor americano.
Eu tinha lá ido porque tinha descoberto com alguma antecedência que haveria uma reportagem de um canal televisivo importante acerca de tão bem-sucedida escola. Por isso, mexi uns cordelinhos e fiz coincidir a minha visita com a dos jornalistas. Até esbocei um ar surpreso e tudo quando me cruzei com as câmaras, embora tenha tropeçado num fio de uma delas e estatelado no chão, com direito a risos entredentes e a um valente lanho no queixo - felizmente disfarçável perante as gravações.
Enquanto os jornalistas faziam o trabalho deles eu fingia que fazia o meu. Visitava as salas, falava com as pessoas sem, contudo, as escutar e andava de um lado para o outro.
Até que as câmaras se voltaram para mim. Assim, baixei ligeiramente o queixo - para não se notar o lanho - e esbanjei mil sorrisos enquanto me filmavam, como se tudo fosse óptimo e a felicidade dos telespectadores que mais tarde assistissem ao meu discurso fosse directamente proporcional ao optimismo por mim decretado.
Expliquei, portanto, que tudo estava a melhorar com as novas medidas adoptadas. A jornalista - uma meia-leca que parecia não ter mais do que 15 anos - questionou-me acerca de que medida eu me referia, sendo que ela não se recordava de nenhuma por mim tomada. Eu respondi que ela devia ter lapsos de memória e que talvez fosse melhor tomar vitaminas - assim também ajudaria no seu crescimento, embora me tenha abstido deste comentário -, porque eu já era responsável por imensas iniciativas que apelariam à mudança. Ia enumerar, mas depois contive-me e aleguei que a lista era tão vasta que nunca sairíamos daquele ponto, havendo tanto por dizer. Depois expus quão risonho seria o futuro e quão brilhantes seriam os nossos alunos. Ela inquiriu se eu acreditava mesmo nisso e eu acenei afirmativamente. Em seguida ela fulminou-me com o olhar. Tive a certeza que ia lançar uma daquelas questões que nos deixam a nós, políticos, sem fala e, muitas vezes, sem ar. E preparava-me para simular um ataque cardíaco ou uma lesão na coxa quando pareceu mudar de ideias.
Em seguida lá foi à sua vida e eu à minha.
E foi aí que o pesadelo começou.
Saía eu com o meu staff quando tudo começou a correr mal. E o staff não era pequeno. Tratava-se dos seguintes elementos: assessor 1, assessora 2 - para o caso de o primeiro ter de ir à casa de banho -, assessor 3 - para o caso de o primeiro estar na sanita por mais de 5 minutos e de o segundo estar ao telemóvel -, motorista 1, motorista 2 - para o caso de o outro ter sono -, informático, cozinheiro, modista, maquilhadora, personal trainer, nutricionista, personal clown - fui eu que inventei este cargo para me compensar dos insultos do povo -, empregada, consultor, artista plástico - nunca se sabe quando fazemos uma expressão daquelas que ficam para a história e que necessite de ser registada para a eternidade - e enóloga. Vai daí, quando pus os pés no passeio, senti um valente safanão e, de repente, deixei de conseguir ver o que quer que fosse.
Senti-me sendo arrastada pela calçada, por entre gritos desesperados dos meus colaboradores que pareciam incapazes de contrariar os acontecimentos. Depois enfiaram-me num espaço fechado e escutei uma porta a bater.
E concluí: 'raios, meteram-me numa carrinha, estou a ser raptada!'
Claro que fiquei chateada comigo mesma, mas principalmente com a sociedade por exigir tanto de mim, pois se não tivesse de ser tão perfeita e competente, caberia no meu staff um par de seguranças.
Fui levada em agonia, deitada no chão duro de uma carrinha daquelas que andam nas feiras.
Por entre curvas apertadas e guinadas valentes, a carrinha lá acabou por ser imobilizada. Depois fui levada para dentro de um armazém, daqueles com portões de vários metros e frios como tudo - iguaizinhos aos que a malta usa para guardar o material roubado que mais tarde, quando a mama se acaba, se vende ao desbarato. Percebi que me removiam o pano preto que me havia privado de ver enquanto me atavam as mãos e os pés.
Quando me adaptei à claridade fiquei estupefacta! Tinham sido os membros da equipa de reportagem que me haviam raptado.
Perguntei a razão e eles riram.
Disseram que seriam considerados heróis nacionais ao serem responsáveis pelo meu sofrimento. Eu abanei a cabeça em tom de reprovação. Via-se mesmo que aquela gente não havia recebido uma boa educação. Malditos ex-ministros!
No entanto nem tudo correu mal. Mas essa história fica para a próxima, fica para o próximo e último episódio.


1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

De partir a moca,como de costume...