CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
GRAÇA
– PARTE X
(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é, claro, pura coincidência)
Um
horror! É o que tenho dizer, meus caros. Um autêntico horror.
Tudo
começou quando eu saía de uma escola profissional de onde se formam
excelentes carpinteiros. Não são uns carpinteiros quaisquer! São
profissionais letrados. Daqueles que sabem construir uma frase com
mais de cinco palavras e têm consciência de que Dan Brown é um
escritor americano.
Eu
tinha lá ido porque tinha descoberto com alguma antecedência que
haveria uma reportagem de um canal televisivo importante acerca de
tão bem-sucedida escola. Por isso, mexi uns cordelinhos e fiz
coincidir a minha visita com a dos jornalistas. Até esbocei um ar
surpreso e tudo quando me cruzei com as câmaras, embora tenha
tropeçado num fio de uma delas e estatelado no chão, com direito a
risos entredentes e a um valente lanho no queixo - felizmente
disfarçável perante as gravações.
Enquanto
os jornalistas faziam o trabalho deles eu fingia que fazia o meu.
Visitava as salas, falava com as pessoas sem, contudo, as escutar e
andava de um lado para o outro.
Até
que as câmaras se voltaram para mim. Assim, baixei ligeiramente o
queixo - para não se notar o lanho - e esbanjei mil sorrisos
enquanto me filmavam, como se tudo fosse óptimo e a felicidade dos
telespectadores que mais tarde assistissem ao meu discurso fosse
directamente proporcional ao optimismo por mim decretado.
Expliquei,
portanto, que tudo estava a melhorar com as novas medidas adoptadas.
A jornalista - uma meia-leca que parecia não ter mais do que 15 anos
- questionou-me acerca de que medida eu me referia, sendo que ela não
se recordava de nenhuma por mim tomada. Eu respondi que ela devia ter
lapsos de memória e que talvez fosse melhor tomar vitaminas - assim
também ajudaria no seu crescimento, embora me tenha abstido deste
comentário -, porque eu já era responsável por imensas iniciativas
que apelariam à mudança. Ia enumerar, mas depois contive-me e
aleguei que a lista era tão vasta que nunca sairíamos daquele
ponto, havendo tanto por dizer. Depois expus quão risonho seria o
futuro e quão brilhantes seriam os nossos alunos. Ela inquiriu se eu
acreditava mesmo nisso e eu acenei afirmativamente. Em seguida ela
fulminou-me com o olhar. Tive a certeza que ia lançar uma daquelas
questões que nos deixam a nós, políticos, sem fala e, muitas
vezes, sem ar. E preparava-me para simular um ataque cardíaco ou uma
lesão na coxa quando pareceu mudar de ideias.
Em
seguida lá foi à sua vida e eu à minha.
E
foi aí que o pesadelo começou.
Saía
eu com o meu staff quando tudo começou a correr mal. E
o staff não era pequeno. Tratava-se dos seguintes elementos:
assessor 1, assessora 2 - para o caso de o primeiro ter de ir à casa
de banho -, assessor 3 - para o caso de o primeiro estar na sanita
por mais de 5 minutos e de o segundo estar ao telemóvel -, motorista
1, motorista 2 - para o caso de o outro ter sono -, informático,
cozinheiro, modista, maquilhadora, personal trainer,
nutricionista, personal clown - fui eu que inventei este cargo
para me compensar dos insultos do povo -, empregada, consultor,
artista plástico - nunca se sabe quando fazemos uma expressão
daquelas que ficam para a história e que necessite de ser registada
para a eternidade - e enóloga. Vai daí, quando pus os pés no
passeio, senti um valente safanão e, de repente, deixei de conseguir
ver o que quer que fosse.
Senti-me
sendo arrastada pela calçada, por entre gritos desesperados dos meus
colaboradores que pareciam incapazes de contrariar os acontecimentos.
Depois enfiaram-me num espaço fechado e escutei uma porta a bater.
E
concluí: 'raios, meteram-me numa carrinha, estou a ser raptada!'
Claro
que fiquei chateada comigo mesma, mas principalmente com a sociedade
por exigir tanto de mim, pois se não tivesse de ser tão perfeita e
competente, caberia no meu staff um par de seguranças.
Fui
levada em agonia, deitada no chão duro de uma carrinha daquelas que
andam nas feiras.
Por
entre curvas apertadas e guinadas valentes, a carrinha lá acabou por
ser imobilizada. Depois fui levada para dentro de um armazém,
daqueles com portões de vários metros e frios como tudo -
iguaizinhos aos que a malta usa para guardar o material roubado que
mais tarde, quando a mama se acaba, se vende ao desbarato. Percebi
que me removiam o pano preto que me havia privado de ver enquanto me
atavam as mãos e os pés.
Quando
me adaptei à claridade fiquei estupefacta! Tinham sido os membros da
equipa de reportagem que me haviam raptado.
Perguntei
a razão e eles riram.
Disseram
que seriam considerados heróis nacionais ao serem responsáveis pelo
meu sofrimento. Eu abanei a cabeça em tom de reprovação. Via-se
mesmo que aquela gente não havia recebido uma boa educação.
Malditos ex-ministros!
No
entanto nem tudo correu mal. Mas essa história fica para a próxima,
fica para o próximo e último episódio.
1 comentários:
De partir a moca,como de costume...
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