CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
GRAÇA
– PARTE III
(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade continua a ser, indiscutivelmente, pura coincidência)
Olá,
meus queridos eleitores! Como estão hoje?
Hm,
sabem? Daqui em diante não me apetece bajular quem quer que seja. E
mais! Passarei a cumprimentar toda a gente como o faço na minha
cabeça, deixando de recorrer ao politiquez.
Ou
seja, nós, políticos, temos um código especial, uma espécie de
encriptação para comunicarmos com o povo embora nada daquilo que
dizemos seja aquilo que pensamos. Vai daí que desde tempos remotos
que os políticos falam politiquez quando as pessoas pensam que são
apenas aldrabices. Mas na verdade não se trata disso. Todo o cidadão
que nos ouve deduz que somos estúpidos. Mas não! Somos tudo menos
isso, ou pensam que qualquer um pode ser político? Nem por sombras!
É necessário muito estofo.
Então,
foi criado uma espécie de código, que faz com que simples frases
dirigidas ao público ou que possam ser escutadas por este tenham um
duplo sentido. Assim, o segundo sentido, o obscuro e verdadeiro, é
unicamente interpretado por outros políticos.
Isto
é, comunicamos entre nós, quando vocês, eleitores, pensam que a
mensagem é dirigida ao país.
Genial,
não é? Pois, nós políticos somos geniais.
E
até posso dar exemplos, embora não vá decifrar todo o enigma, caso
contrário seríamos transparentes. E isso é coisa que um político
nunca pode ser.
Ora,
é comum nós utilizarmos a palavra 'Caro'. Como caro cidadão ou
assim. Pois na realidade caro em politiquez significa 'badocha'.
'Cidadão' significa 'esquerda' e 'eleitor' 'direita'. Logo,
dependendo da utilização do termo, quando proferimos esses 'caro
cidadão' ou 'caro eleitor', queremos antes dizer 'badocha de
direita' ou 'badocha de esquerda', consoante, logicamente, a
orientação política do gajo a quem nos queremos dirigir. E assim
por diante. Quando dizemos 'caro eleitor, tudo faremos para salvar o
governo', a conversão leva à seguinte interpretação entre nós:
'badocha de esquerda, quero comer uma sandes de presunto'. Portanto,
quando alguém diz isto, em vez de prometer ao povo uma saída para
uma eventual crise, estamos a combinar um lanchinho no tasco do Rocha
- que não é o da assembleia porque aí pagamos IVA, logo sai mais
caro.
Quando
gritamos 'viva Portugal', decifrando dá: 'tenho fome'. E 'vocês
sabem que isso não passam de calúnias', quer dizer: 'cala-te já
porque me estás a entalar'.
Se
analisarmos bem, 'presunto' corresponde a 'governo', digamos a parte
nobre da peça de um porco. 'Portugal' significa 'fome'. Não sei
quem foi o badocha que inventou esta última ligação, mas terá de
ser mudada porque é demasiado óbvia.
Adiante
que estudei muito para saber falar politiquez e isto não se ensina
de um dia para o outro.
Sabem
onde estive esta manhã? Pois bem. Eram 8H59 e aguardava ansiosamente
o toque da campainha ridícula para entrar no parlamento.
Quando
soou dirigi-me à entrada da sala. Era a primeira vez que invadia o
espaço por isso fiquei muito emocionada. Depois ocupei o meu lugar
assim como os meus colegas ministros. A oposição ria nos
corredores, mas quando se sentaram todos esboçaram rostos fechados e
expressões furiosas. Alguns ministros falaram, assim como o
primeirinho ministrinho. E depois, o meu coração parou. Um deputado
dirigiu-se a mim, num tom grave e recorrendo a gestos teatrais que
indicavam uma certa indignação. Quando o ouvi pronunciar a palavra
Graça fiquei nervosa. Sabia que ia ter de discursar em seguida.
E
no meio da sua intervenção captei a mensagem. No meio porque nem
tudo se trata de uma mensagem subliminar, claro. Antes e depois de a
transmitirmos utilizamos a palavra-secreta que não vou aqui dizer,
obviamente.
Bla
bla bla...
'Ministra
Graça, precisamos de inovar e levar o ensino em Portugal a bom
porto. Os nossos alunos merecem o melhor que este país tem para lhes
oferecer.'
Bla
bla bla...
Aquilo
apanhou-me desprevenida e tive de recorrer ao dicionário de
politiquez - uma edição de bolso que ia na 17º edição - para
converter uma ou outra palavra. Por fim, traduzi: 'Querida Graça,
adoro a forma como expões o teu belo presunto principalmente quando
caminhas. Como a esposa tem tuberculose ando com uma fome do caraças,
quero comer-te.'
Sorri
ainda mais, mas fiz também ar de chateada para disfarçar.
Levantei-me e falei, segura de mim.
Bla
bla bla...
'Caro
deputado, são esses problemas que tencionamos resolver.'
Bla
bla bla...
Escutei-o
engolir em seco do outro lado do Parlamento. A minha resposta estava
dada: 'Badocha impotente, perde uns quilinhos que depois falamos.'
Depois
a sessão terminou e encontramo-nos todos no tasco do Rocha.
http://www.facebook.com/pages/Vasco-Ricardo/439622106051031?ref=hl
2 comentários:
Muito bom! Ora aqui está a essência da cambada política, descrita com um ironismo inteligente e muito agradável de digerir.
:)
Muito bom!
Gostei dos sinónimos!
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