04/09/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

GRAÇA – PARTE IV

(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é, e sempre será, pura coincidência)
 
E que tal? O meu povo acompanhou-me no Parlamento? Portei-me bem, certo? Ninguém topou quando combinei ir comprar cortinados com uma deputada do meu partido, pois não? Ah, pois é!
No dia seguinte à minha estreia tive uma reunião com os representantes de uma associação de pais do ensino secundário. Não é normal que alguém com o meu estatuto receba gente tão insignificante, mas eu sou sensível a estas coisas de se preocuparem com os putos. Sempre me emocionou ver miúdos indefesos nas escolas. Até chorei quando vi o Karate Kid levar um coçório no início do filme. Felizmente aprendeu a defender-se esfregando carros.
Portanto, uma das minhas prioridades é a segurança nas escolas e o bom aproveitamento dos seus alunos.
A reunião começava às 9H30. Na verdade, a minha prioridade pessoal sobrepõe-se à prioridade enquanto ministra, pois se eu não tiver saúde não posso exercer o meu cargo eficientemente. Por isso tive de ir tomar o pequeno-almoço antes da hora combinada e só cheguei às 10H15.
Os pais reclamavam, dizendo que ninguém os respeitava. Isto antes de eu lhes abrir as caixas contendo pastéis de Belém que lhes levara com carinho. Aí calaram-se a mamaram um a seguir ao outro.
Começámos então a ordem de trabalhos.
Primeiro queixaram-se que não podia haver apenas um segurança para milhares de alunos por escola. Eu contestei. Expliquei que essa não era a minha área, mas que supunha que houvesse cinquenta mil polícias para a população portuguesa. Logo estava dentro da média. Mas havia lá uma espertinha - devia ser professora de matemática - que disse que em termos relativos a minha associação lhes dava razão, pois por essa lógica a segurança era insuficiente quando comparando com o policiamento nas ruas. Aí eu sorri. Perguntei-lhe se achava que esses polícias estavam todos operacionais, nas ruas e a fazer o trabalho que lhes competia. Ela calou-se mas depois outro falou - provavelmente um advogado, o marmanjo. Questionou-me se eu estava a criticar o próprio governo e o ministro da defesa. Meditei. Por acaso não gostava muito do ministro da defesa, porque era nortenho e eu nunca gostei desse sotaque. No entanto defendi-o e disse que a culpa era toda do governo anterior e que nós mudaríamos a situação. Para além disso, comentei que estava em estudo o desenvolvimento de um programa inovador que promovia o incentivo à defesa pessoal de cada aluno. Cada um deles esfregaria os carros dos funcionários da escola e toda a frota de veículos das câmaras municipais e do governo. Eles adoraram a ideia, pois todos eram fãs do discípulo do Sr Miyagi. Pisquei o olho, arrastei a cortina e eles espreitaram. Lá fora o projecto estava em estudo e uma dezena de miúdos esfregava o carro que trouxera até ali.
Depois vieram com a conversa de que havia docentes que não eram competentes. Eu concordei e sugeri a utilização de câmaras de vigilância nas salas de aulas para controlar os professores, que assim até punha os polícias que não fazem nada a observar as gravações, algo que fazia parte da nossa reestruturação. Eles perguntaram se isso era permitido. Eu acenei que sim. Afinal tudo é permitido desde que não sejamos descobertos. Mas comentei num tom autoritário 'nós vamos mais longe'. Pedi que guardassem segredo e levantei a ponta do véu. Disse-lhes que íamos tentar legislar a possibilidade de passar em directo e em canal aberto tudo o que se passava dentro das escolas para que as pessoas lá em casa pudessem assistir livremente. Perguntaram se era possível. Eu respondi que naquele momento não, devido a essas coisas dos direitos dos cidadãos e dos profissionais. Mas também adiantei que íamos avançar com isso e que tínhamos o apoio dos americanos - aqueles Senhores - que afinal já o faziam à socapa e tencionavam fazê-lo às claras. Um dos pais até ficou contente porque estava quase surdo por escutar uma senhora da TVI a apresentar programas desse género. Assim, podia ter um Big Brother num novo formato e dessa forma proteger o seu canal auditivo.
A seguir perguntaram-me como ia eu erradicar as drogas das escolas. Disse que não ia fazer nada, que a selecção natural trataria de tudo. Os miúdos espertos safar-se-iam e os mais estúpidos agarrar-se-iam ao pó e ao fumo. Ninguém discordou, afinal tinha visto uma das mães a fumar um charro na esquina quando tinha chegado e nenhum deles parecia ter os filhos nas escolas mais problemáticas.
O quarto ponto levantado prendia-se com o aumento da tensão sexual entre os alunos. Eu encolhi os ombros e perguntei se queriam ganhar uma reforma decente dali a duas décadas. Eles concordaram com as cabeças e eu expliquei que para esse efeito a taxa de natalidade teria de aumentar a bom ritmo. Os representantes calaram-se e até vi a drogada a atirar uma caixa de pílulas - daquelas fraquinhas para as adolescentes - para trás das costas.
Em seguida foi tudo muito rápido. Queriam aquecimento, prometi-lhes bom tempo. Exigiram material de qualidade, mandei entrar dois dos meus colaboradores, um de cada sexo - antigos strippers. Solicitaram bons professores, garanti que a taxa de aprovações e a média das notas dispararia em flecha. Pediram melhores refeições nas cantinas, justifiquei que a contratação de ucranianos a recibos verdes e pagos pelo valor que receberiam nos seus países permitiria um melhor serviço. Quiseram uma alimentação mais equilibrada, chamei a minha nutricionista que explicou que a população só precisava apenas de 1,200 e 2,000 Calorias diárias e a minha médica que explicou que mais de metade dos portugueses tinha peso a mais.
Resumindo, saíram mais satisfeitos do que entraram, o que é bom. Mas torceram os narizes quanto mandei a minha assessora apresentar a conta relativa aos pastéis de nata. Encolhi os ombros e esbocei um ar de: 'Que foi? Estamos em crise!'




1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Ai se o Crato lê isto...
KKKKKKKKK...........