CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
GRAÇA
– PARTE IV
(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é, e sempre será, pura coincidência)
E
que tal? O meu povo acompanhou-me no Parlamento? Portei-me bem,
certo? Ninguém topou quando combinei ir comprar cortinados com uma
deputada do meu partido, pois não? Ah, pois é!
No
dia seguinte à minha estreia tive uma reunião com os representantes
de uma associação de pais do ensino secundário. Não é normal que
alguém com o meu estatuto receba gente tão insignificante, mas eu
sou sensível a estas coisas de se preocuparem com os putos. Sempre
me emocionou ver miúdos indefesos nas escolas. Até chorei quando vi
o Karate Kid levar um coçório no início do filme. Felizmente
aprendeu a defender-se esfregando carros.
Portanto,
uma das minhas prioridades é a segurança nas escolas e o bom
aproveitamento dos seus alunos.
A
reunião começava às 9H30. Na verdade, a minha prioridade pessoal
sobrepõe-se à prioridade enquanto ministra, pois se eu não tiver
saúde não posso exercer o meu cargo eficientemente. Por isso tive
de ir tomar o pequeno-almoço antes da hora combinada e só cheguei
às 10H15.
Os
pais reclamavam, dizendo que ninguém os respeitava. Isto antes de eu
lhes abrir as caixas contendo pastéis de Belém que lhes levara com
carinho. Aí calaram-se a mamaram um a seguir ao outro.
Começámos
então a ordem de trabalhos.
Primeiro
queixaram-se que não podia haver apenas um segurança para milhares
de alunos por escola. Eu contestei. Expliquei que essa não era a
minha área, mas que supunha que houvesse cinquenta mil polícias
para a população portuguesa. Logo estava dentro da média. Mas
havia lá uma espertinha - devia ser professora de matemática - que
disse que em termos relativos a minha associação lhes dava razão,
pois por essa lógica a segurança era insuficiente quando comparando
com o policiamento nas ruas. Aí eu sorri. Perguntei-lhe se achava
que esses polícias estavam todos operacionais, nas ruas e a fazer o
trabalho que lhes competia. Ela calou-se mas depois outro falou -
provavelmente um advogado, o marmanjo. Questionou-me se eu estava a
criticar o próprio governo e o ministro da defesa. Meditei. Por
acaso não gostava muito do ministro da defesa, porque era nortenho e
eu nunca gostei desse sotaque. No entanto defendi-o e disse que a
culpa era toda do governo anterior e que nós mudaríamos a situação.
Para além disso, comentei que estava em estudo o desenvolvimento de
um programa inovador que promovia o incentivo à defesa pessoal de
cada aluno. Cada um deles esfregaria os carros dos funcionários da
escola e toda a frota de veículos das câmaras municipais e do
governo. Eles adoraram a ideia, pois todos eram fãs do discípulo do
Sr Miyagi. Pisquei o olho, arrastei a cortina e eles espreitaram. Lá
fora o projecto estava em estudo e uma dezena de miúdos esfregava o
carro que trouxera até ali.
Depois
vieram com a conversa de que havia docentes que não eram
competentes. Eu concordei e sugeri a utilização de câmaras de
vigilância nas salas de aulas para controlar os professores, que
assim até punha os polícias que não fazem nada a observar as
gravações, algo que fazia parte da nossa reestruturação. Eles
perguntaram se isso era permitido. Eu acenei que sim. Afinal tudo é
permitido desde que não sejamos descobertos. Mas comentei num tom
autoritário 'nós vamos mais longe'. Pedi que guardassem segredo e
levantei a ponta do véu. Disse-lhes que íamos tentar legislar a
possibilidade de passar em directo e em canal aberto tudo o que se
passava dentro das escolas para que as pessoas lá em casa pudessem
assistir livremente. Perguntaram se era possível. Eu respondi que
naquele momento não, devido a essas coisas dos direitos dos cidadãos
e dos profissionais. Mas também adiantei que íamos avançar com
isso e que tínhamos o apoio dos americanos - aqueles Senhores - que
afinal já o faziam à socapa e tencionavam fazê-lo às claras. Um
dos pais até ficou contente porque estava quase surdo por escutar
uma senhora da TVI a apresentar programas desse género. Assim, podia
ter um Big Brother num novo formato e dessa forma proteger o
seu canal auditivo.
A
seguir perguntaram-me como ia eu erradicar as drogas das escolas.
Disse que não ia fazer nada, que a selecção natural trataria de
tudo. Os miúdos espertos safar-se-iam e os mais estúpidos
agarrar-se-iam ao pó e ao fumo. Ninguém discordou, afinal tinha
visto uma das mães a fumar um charro na esquina quando tinha chegado
e nenhum deles parecia ter os filhos nas escolas mais problemáticas.
O
quarto ponto levantado prendia-se com o aumento da tensão sexual
entre os alunos. Eu encolhi os ombros e perguntei se queriam ganhar
uma reforma decente dali a duas décadas. Eles concordaram com as
cabeças e eu expliquei que para esse efeito a taxa de natalidade
teria de aumentar a bom ritmo. Os representantes calaram-se e até vi
a drogada a atirar uma caixa de pílulas - daquelas fraquinhas para
as adolescentes - para trás das costas.
Em
seguida foi tudo muito rápido. Queriam aquecimento, prometi-lhes bom
tempo. Exigiram material de qualidade, mandei entrar dois dos meus
colaboradores, um de cada sexo - antigos strippers. Solicitaram
bons professores, garanti que a taxa de aprovações e a média das
notas dispararia em flecha. Pediram melhores refeições nas
cantinas, justifiquei que a contratação de ucranianos a recibos
verdes e pagos pelo valor que receberiam nos seus países permitiria
um melhor serviço. Quiseram uma alimentação mais equilibrada,
chamei a minha nutricionista que explicou que a população só
precisava apenas de 1,200 e 2,000 Calorias diárias e a minha médica
que explicou que mais de metade dos portugueses tinha peso a mais.
Resumindo,
saíram mais satisfeitos do que entraram, o que é bom. Mas torceram
os narizes quanto mandei a minha assessora apresentar a conta
relativa aos pastéis de nata. Encolhi os ombros e esbocei um ar de:
'Que foi? Estamos em crise!'
1 comentários:
Ai se o Crato lê isto...
KKKKKKKKK...........
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