CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
GRAÇA
– PARTE V
(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade é, obviamente, pura coincidência, à excepção dos artistas e dos ditadores mencionados)
Ontem
à noite foi um estrondo, ou falando em politiquez: 'Somos uma nação
em claro crescimento'.
Fui
com umas amigas assistir a um concerto protagonizado por um pedaço
de mau caminho ao Parque das Nações. E, por falar nisso, percebi
que também existem mais linguagens secretas que não o politiquez.
Como é o caso do empresarialez. Isto porque me dirigi ao Meo Arena e
como o espaço parecia um tanto ou quanto abandonado, decifrei parte
deste enigma. Pavilhão Atlântico significa 'temos eventos',
enquanto Meo Arena 'espectáculos esporádicos'. O que uma pessoa
aprende se mantiver os olhos bem abertos!
Vai
daí, fomos ao concerto do mês no Meo Arena assistir a um
espanholito que canta como o caraças e que tem o dom de me
transformar num forno capaz de atingir 250ºC internos. Aliás, se eu
fosse um instrumento musical nas mãos dele certamente seria uma
castanhola.
Nesse
concerto acabei também por entender que existia o musicalez e
tornou-se deveras evidente quando entrou aquela fadista portuguesa
que canta dez vezes melhor do que o espanhol, mas que receberá
cerca de dez vezes menos do que ele por cada actuação - afinal ela
canta fado, logo não pode ter um destino feliz. E então, quando
eles cantaram num magnífico dueto aquela música que entope as
rádios deste país, eu decifrei parte do musicalez ao avaliar a
reacção das pessoas à mensagem entoada.
E
fiquei aterrada!
Percebi
que o musicalez é atroz. É pior do que as políticas praticadas por
Hilter e Estaline juntos! Eles cantavam e o pessoal reagia
estranhamente. Contudo, as pessoas presentes na plateia não eram
músicos, logo não podiam conhecer os códigos encriptados.
O
que é que isto significa?!
Pois!
Quer dizer que estes músicos enviam mensagens subliminares para os
nossos cérebros, sendo que nós as recebemos sem ter percepção
disso mesmo. Pois é, caros eleitores, meu povo! Eles entram na nossa
cabeça sem darmos por isso! Como os peritos americanos de marketing
das maiores multi-nacionais, os comunicados militares norte-coreanos
ou a intervenção das inúmeras seitas religiosas brasileiras
capazes de melhorar substancialmente a vida dos fiéis em troca de
10% dos rendimentos - bem, aqui não existe mensagem subliminar,
apenas idiotice receptora, mas os gajos pagam impostos, por isso,
tudo corre às mil maravilhas.
Passemos
ao que descobri.
Quando
o Pablo - Pablito para mim porque o conheci no camarim - e a Carminho
cantaram aquela música famosa eu reconheci aquilo que transmitiam
pela forma como as mulheres, e alguns homens, reagiam às suas
palavras. Percebi, então que 'perdonome' quer dizer 'histerismo'; si
alguna vez 'grito muito agudo'; sinto volverte loca 'fazer
cara sexy'; e laralalalaralalarala não corresponde a uma
palavra mas sim a um movimento, obrigando as pessoas a mexerem-se
como se da cintura para baixo fossem, na verdade, constituídas por
gelatina.
Depois
de o concerto ter acabado eu e as minhas amigas fomos passear pelas
docas. Bebemos um copito e divertimo-nos um pouco. Uma ou outra
pessoa reconheceu-me como sendo a ministra da educação. Distribuí
beijinhos e sorrisos por toda a gente, mesmo antes de ter snifado
coca numa casa de banho.
Era
já tarde quando decidi que para exercer decentemente a minha
profissão eu tinha de fazer algo que nunca antes um ministro fizera.
Se eu trabalhava com e para os jovens, eu tinha primeiro de
conhecê-los!
Genial,
ah?!
Nem
sei como é que ninguém se lembrara disto antes! Um ministro da
educação tem de conhecer os alunos! Senti-me tão bem que liguei ao
ministro da saúde explicando-lhe que ele tinha de conhecer os
doentes - que contrapôs assumindo que eu nada sabia e que ele é que
era um homem experiente. Depois telefonei ao ministro da defesa a
dizer que ele precisava de conhecer o exército, ao que ele me disse
'exército? O que é isso? Uma ilha desabitada no Pacífico ou uma
marca israelita de pás e enxadas?'. Por fim, pensando que se
revelasse numa pessoa mais sensível, contactei o primeirinho
ministrinho, questionando-o se não achava que era melhor conhecer os
cidadãos; ele respondeu com uma gargalhada antes de desligar sem
nada dizer.
Frustrada,
mas querendo mostrar a diferença, desatei a falar com os jovens,
enquanto cambaleava pelos bares. Concluí pois que também usavam uma
linguagem envolta de mistério e ainda mais complicada do que as
restantes. Diziam coisas estranhas como 'tá-se ou quê?' (mas quem é
se está e qual quê?), 'lol' (diminutivo de lolita?), 'bué de
cenas' (tocar oboé numa cena musical?), 'tipo ya' (que ya será esse
que existe mais do que um tipo?), 'top' (mas isso não é uma peça
de roupa feminina?), 'como é que é?' (mas o que é que é que não
é?) ou 'hei mano' (mas mano não é irmão?). Percebi que eles eram
muito mais avançados do que nós, governantes, e que talvez as
minhas políticas se devessem orientar no sentido de lhes lixar as
vidas, caso contrário ainda nos superariam a todos.
Mas,
poça, estes miúdos são mesmo bons em não se fazerem entender!
Como poderei eu liderá-los?
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