CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
JEREMIAS
– PARTE V
Segurança nocturno foi outro dos
empregos que tive. Era segurança numa discoteca famosa embora nunca
tivesse possuído a certidão profissional para o efeito. Também
quem é que nos ia fiscalizar? Ninguém se metia com um ex-campeão
nacional de boxe nem com os instrutores de ginásios que por acaso
eram igualmente praticantes de halterofilismo. Eu não era nenhuma
dessas coisas mas eu não estava ali para segurar ninguém em
particular, a não ser a minhas calças que teimavam em descer com
tanta gaja boa que por ali passava. Havia gajas de todo o género:
boas, muito boas, menos boas, assanhadas, caladas, espevitadas,
desinibidas, coradas, descascadas, intrometidas, mancas, zarolhas,
esquizofrénicas. Afinal toda a gaja tinha o direito de se divertir e
eu tinha o direito de me contentar com a presença de toda a gaja.
Para ser sincero trabalhava ali
para fazer número. Isto porque quando havia pancada, dois ou três
colegas chegavam sempre em primeiro lugar ao local da ocorrência
para desancar nos homens que lutavam que nem galos por um pedaço de
estrogénio. Eu era sempre o último a chegar, para separar as
amigas e as namoradas dos gajos encharcados em suor e sangue. Fazia
sempre a mesma coisa. Levava-as a tomar ar, punha-lhes o meu blazer
tamanho M - embora eu vestisse o XL - pelos ombros, fazia uma festa
no cabelo e sussurrava que ia correr tudo bem. Por vezes tinha de
chamar os meus colegas seguranças para impedir que elas me batessem.
Mas de vez quando eu pescava uma faneca, ó se pescava.
Mas houve uma noite que deu à
costa uma sereia. Cantava e tudo. Era filha de um magnata iraniano.
Primeiro pensei que ela fosse de etnia cigana mas depois percebi que
os seus gestos tinham muita classe e que não tinha sete putos
ranhosos - com aquela bola de ranho verde que cresce com a expiração
e diminui com a inspiração - a destruir o bar atrás de si. Ela até
parecia a Christina Aguilera, se bem que mais morena e sem ter o
cabelo pintado. Bem, na realidade não tinha nada a ver com a
Christina mas eu sempre gostei dela, sinto-me lindamente ao pensar
que as gajas eram parecidas.
Continuando, ela mexia-se como se
estivesse sempre a fazer a dança do ventre, de tal forma que nessa
noite fiquei estrábico e sem capacidade para distinguir a direita da
esquerda. Então, numa clareira instantânea que se formou em seu
redor, percebi que um gajo lhe havia apalpado o rabo. Eu galguei a
multidão, agarrei o gajo, pus-me de joelhos e espetei-lhe uma
cabeçada - era anão, ele. Sangue negro como petróleo jorrou do seu
nariz. Ela por sua vez gritou que deixasse o seu amante. Chorei nesse
instante como quando descascava cebolas ou assistia às
reconciliações de famílias destroçadas na SIC. Fiquei chateado,
porque não me tinha apercebido que o gajo existia até ao momento em
que lhe enfiara a mão no traseiro, pois a discoteca estava à pinha
e o gajo dava pela cintura dos clientes de estatura média. Depois
ela deu-me um estalo. Eu passei a mão pela minha face e lambi a
ponta dos dedos. Tinha visto o Bruce Lee fazê-lo uma vez e achei que
tinha pinta. Ela deu-me outro estalo do lado oposto. E eu não repeti
o gesto porque achei que seria maçador. Estivemos uns tempos olhando
nos olhos um do outro até que vi estrelas ao sentir a cabeça do
anão a enfaixar-se nas minhas partes íntimas.
Desmaiei.
Acordei numa cama no dia seguinte
e tinham-me dito que havia perdido um testículo, que me tinham
operado de urgência no hospital do iate privado do pai da minha
sereia das Arábias, onde ainda permanecia.
No minuto que se seguiu ela veio
visitar-me. Pediu desculpa pelo atrevimento do anão e explicou que
ele seria atirado ao mar para dar alimento aos peixes no regresso a
casa. Eu perguntei-lhe se isso não era uma medida extrema, que o
gajo só estava a defender a sua fêmea.
Vi-lhe uma lágrima quando
respondi dessa forma. Ela pôs a mão no meu peito e disse que eu era
o homem da vida dela. Perguntei-lhe se esse sentimento se devia à
forma como a tinha tratado. Ela assentiu e disse “possui-me”. Eu
respondi “não posso”. Ela perguntou “porquê?”. Eu disse
“porque perdi um testículo”. E ela “és homem ou não és?”.
E eu “sou”. E ela “homem que é homem não perde uma
oportunidade, afinal resta-te o outro testículo”. E eu “que
gaja!”
Fizemo-lo.
Ainda hoje me pergunto como fui
capaz. Provavelmente nunca conseguirei responder.
Mas não voltei a ser segurança
nocturno.
Estivemos semanas a viajar no seu
iate até atracarmos em El Salvador e o pai dela entrar a bordo.
Apanhou-nos na cama e arrancou-me o outro testículo.
Hoje tenho berlindes no seu
lugar, mas juro que nada mudou, que o digam as gajas que vou comendo.
1 comentários:
Que dizer de quem tem berlindes em vez de "tintins"?!...
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