Foram identificados e detidos os suspeitos
que desencadearam a invasão animal que ontem assolou o país. Mark Twain
e Rudyard Kipling, ambos com um considerável historial de delinquência
literária, foram formalmente acusados pelas autoridades de
forjarem rãs saltadoras e mangustos assassinos. Os indícios recolhidos,
milhares de livros amarelos, com a capa que se anexa como prova, serão
agora presentes a tribunal popular. As audições vão ter lugar em todas
as livrarias portuguesas.
É
já possível proceder a uma primeira descrição da prova principal. É
este Livro Amarelo, pintado à mão às quatro faces do miolo, contendo em
primeiro lugar um texto, A Célebre Rã Saltadora do Condado de Calaveras, da autoria de Mark Twain. O livro fecha com outro texto, Rikki-tikki-tavi, assinado por Rudyard Kipling.
Esses dois textos vêm no livro em edição bilingue, ou seja, em
belíssimo inglês e na tradução portuguesa que lhes deu António
Rodrigues.
O editor, Manuel S. Fonseca, escreveu as biografias dos dois autores e um texto, A Rã Saltadora e o Heróico Mangusto,
que procura justificar a associação terrivelmente cúmplice destes dois
textos, povoados de apostas fraudulentas, conflitos e crimes ecológicos
perpetrados pela crua Natureza.
São
168 páginas de aventuras, perseguições a algumas gotas de sangue.
Contêm, portanto, dois contos que estão longe de ser gémeos. O de Mark
Twain é marcado por uma viva ironia. O de Kilpling, por um amável
moralismo. São ambos contos próximos da oralidade: um de taberna, outra
de charla familiar. Mark Twain escreve DE ouvido. Rudyard Kipling PARA o ouvido. Crime: neste tempo em que se diz que ninguém lê, são dois hinos à leitura.
Um
conselho: não olhe para este livro com displicência. Destas páginas
amarelas podem muito bem cair-lhe em cima uma rã saltadora ou um
mangusto em fúria. Mas sejamos honestos, que interesse é que tem a literatura se não for um caso de vida ou de morte?
|
0 comentários:
Enviar um comentário