A proximidade entre o Bem e o Mal; entre o amor e o ódio; a vida vizinha da morte – um caminho apenas. Talvez a cruz de Jerusalém, cidade e nome do livro, metáfora para o hospício Georg Rosemberg, onde Mylia e Ernst viveram, amaram e conceberam Kaas. É Mylia quem diz, citando a Bíblia: “Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que seque a minha mão direita”. E mais adiante: Se eu me esquecer de ti, Georg Rosemberg”, que seque a minha mão direita”.
Numa escrita crua, dura, directa e atraente, GMT percorre a vida de personagens-tipo, que vivem nas margens ténues da loucura normal.
Mylia, 18 anos, esquizofrénica. Casa com o médico Theodor; ele estudá-la-á sem amor. A mãe diz que ela vê almas.
No hospício, Mylia conhecerá Ernst, esquizofrénico. Desse amor nascerá Kaas. No hospício Georg Rosemberg. Ou Jerusalém. Sítio da redenção e da paixão. Do sofrimento e do amor. Da salvação e da perdição. O local de onde vem o medo, como a guerra para Hinnerk.
Mylia, 40 anos, à espera da morte. Alguns meses para viver. Procura uma igreja, na madrugada. Desesperada por um pouco de paz. A dor dilacera-a; a dor má, que a matará e a dor boa, que a faz sentir viva: a dor da fome; da fome do corpo. Naquele momento um pão era mais importante que a eternidade: a vida é uma soma de momentos, todos eles únicos.
Theodor Busbeck desposara Mylia. Ele estuda o horror; faz contas, somas, gráficos. Encontrar os padrões do horror nos tempos; o horror passado e futuro da humanidade explicados em fórmulas matemáticas.
O horror, o sofrimento e a violência são vitais para o mundo; se um dia houver equilíbrio entre os sofredores e os que fazem sofrer, o mundo perderá sentido e extinguir-se-á. Como na vida de qualquer indivíduo: sofrer ou fazer sofrer são os termos da equação. Quando se equilibrarem será a morte. Ou então, para lá desse equilíbrio, apenas a fé poderá sobreviver. Como na doença de Mylia: ela viverá depois do prazo que a ciência lhe deu para morrer. Porque os milagres existem. O sagrado é o lugar onde tudo termina. O sagrado que se encerra no nome de Theodor.
Como se vê, trata-se um livro cheio de simbolismo; mas aqui, significados e significantes acabam por ser descodificados sem esforço pelo leitor, tornando a leitura extremamente agradável. Não se trata de um livro “negro” como a capa pode enunciar; não se trata de um livro sobre a morte ou a loucura; trata-se de um livro sobre a vida nas suas múltiplas facetas; sobras as angústias do viver, do sentir, do amar e do morrer.
Não é uma obra-prima nem GMT alguma vez terá ambicionado tal; é um livro pequeno, de leitura rápida, que deixa múltiplas pistas que nos permitem antever no seu autor um talento que o poderá levar, no futuro, aos mais altos níveis da genialidade.
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