CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
MOUSTAFA
(e Maria e Bruno) – PARTE III
Eu
tenho um grave problema com sapos. Nunca o assumi frontalmente até
agora, como nunca o fiz com outras coisas, como por exemplo... Ah,
não posso dizer, não é? Ao dizer que não assumirei bruno e a
Maria não posso dar exemplos, não é? Raios! Lá ia eu cair na
esparrela outra vez. Pensa, Moustafa, pensa! Inspira, expira,
inspira, expira.
Pronto, já está. Frontal,
confere. Sapos, confere. Ainda hoje gosto de brincar com Nenucos,
conf... Raios. Esqueçam a última afirmação.
Sapos. Sapos. Sapos. Sapos.
Dizia eu que odeio sapos. É uma
história antiga, mas ainda hoje me arrepio quando os vejo ou penso
neles. Por isso não me aproximo dos rios, nem das arcas congeladoras
dos supermercados e nunca, mas nunca, vejo canais de bonecada nem
sobre a vida selvagem. E, obviamente, sou muito cuidadoso a
visualizar as páginas da internet.
Isto sucede não por causa de um
episódio, mas devido a vários. A questão é terem ocorrido na
mesma altura, em simultâneo. Aliás, aconteceu tudo no mesmo dia.
Eu tinha 12 anos. Era o meu
primeiro dia na escola preparatória - sei que agora tem outro nome,
mas naquela altura era assim que se chamava - e eu ia todo contente
no carro do meu pai. OK. Antes de prosseguir, eu respondo. Sim, já
tinha 12 anos quando mudei de escola. Chumbei duas vezes na primária
- que também já não se chama assim - se bem que a culpa não foi
minha! Não aconteceu porque fosse O-R-R-U-B. Só que o azar
funcionou contra mim. Na primeira vez que reprovei, na primeira
classe - já sei que já não é classe - pensei que as letras se
liam como números e que se faziam contas com as letras. Foi uma
confusão, digamos que eu estava mais avançado que os meus colegas e
via as coisas numa dimensão distinta para que aquela professora me
pudesse compreender - afinal, o que sabem eles? A segunda vez que
chumbei foi na terceira classe. Não gostava da professora, logo
tentei fazer-lhe ver que ela era uma porcaria de mulher. Não lhe fiz
a vida negra porque não faço a vida negra a ninguém, mas queria
mostrar-lhe o meu ponto de vista. Quando ela não o quis ver, aí
sim, fiz-lhe a vida negra. Quer dizer, eu não, mas a Maria e o Bruno
fizeram-na por mim. Pois, a Maria e o Bruno também chumbaram. A
primeira ocasião por solidariedade, a segunda por retaliação da
professora, como no meu caso.
Onde ia eu? Onde ia eu? Ah!
Sapos!
Nesse dia de aulas, o meu pai
levou-me no seu Citroen, boca de sapo. Logo meia dúzia de miúdos
apontaram na minha direcção, rindo, dizendo que o carro é que
devia ser o meu pai, não o meu verdadeiro pai. Naquele instante não
entendi, mas antes de entrarmos para a sala o Bruno disse-me que
talvez se devesse aos meus olhos esbugalhados e à minha boca grande.
Logicamente bati-lhe e desculpou-se.
Depois, na aula de matemática, a
professora pediu que me sentasse na fila da frente. Explicou que como
eu era o mais velho seria um exemplo para a turma inteira e que
depositava muita confiança em mim. Não sei a razão para o ter
feito. Mas a verdade é que ela era loira, baixa e histérica. Os
miúdos que tinham irmãos mais velhos no estabelecimento sabiam que
era apelidada de Miss Piggy. Ora, por causa da atitude dela, de amor
incondicional e muito compreensível pela minha pessoa, passaram a
tratar-me como 'amante da Miss Piggy'. Na aula de português não
havia quem não me associasse ao 'Cocas, o Sapo'.
Quando chegou a hora do almoço
já toda a comunidade escolar sabia quem eu era, ou melhor, como me
tratavam. E quando saía da cantina, uma série de miúdos mais
velhos – outros que não os anteriores - despejaram-me várias
taças de gelatina de tutti-frutti em cima. Todos riram. Queriam que
ficasse verde, como o Cocas. Eu não chorei à frente deles e mandei
que a Maria e o Bruno se atirassem a eles. Mas eles não o fizeram.
Penso que ainda hoje se arrependem da sua cobardia.
O
pior foi quando vinha para casa. Perto da escola havia um descampado
com terra, vegetação baixa e águas estagnadas. Eu retinha as
lágrimas dentro de mim e a Maria e o Bruno iam calados. Contudo, de
repente, os mesmos miúdos da gelatina apareceram vindos de nenhures.
Rodearam-nos e dois deles pegaram em mim. Levaram-me para junto da
água e prenderam-me. A Maria e o Bruno tinham desaparecido e eles
eram cinco vezes mais do que eu, uns dez portanto - Raios, se tivesse
tido melhores professores na primária... E então um deles, o maior,
acendeu um cigarro e deu umas passas. Depois enfiou-o na minha boca e
os dois que me seguravam não deixaram que a abrisse. Tossi, fumei,
chorei e quase não respirei. Eles gargalharam o tempo todo.
Mais tarde soube que era isso que
faziam aos sapos. Punham-lhes cigarros até rebentarem, devido à
incapacidade de o cuspirem ou de abrir a boca para respirarem outra
coisa que não fumo tóxico - pelo menos era o que se dizia. Também
soube que o líder do grupo era irmão da Julianinha.
Esse episódio passou, mas a
minha raiva não. Nunca me vinguei, só em sonhos.
Mas resta-me uma consolação.
Hoje sou tudo e eles são nada.
3 comentários:
Adorei!!!
Muito Bom!!!!
Só tenho a dizer, até os animais protegem os seus filhotes, Sempre andei em escolas problemáticas, tentaram me fazer varias vezes o mesmo, nunca deixei, quando não conseguia sozinho, fugia e claro com a boa relação que sempre tive em casa com os meus pais, contava e não passava do próximo dia, sem se tratar do assunto. Tenho pena sim, de todos os que nunca tiveram a coragem de contar o que passava, pois não passam de uns fracos, que hoje em dia são uns revoltados que estragam o mundo com a sua revolta! Todo o mundo pode mudar as vezes basta um empurrão ! Muitas vezes esses mesmos "Rapazes" que fazem essas coisas, fazem-no como um pedido de ajuda, ajudei muitos desses rapazes, pois muitos, sim sofriam a serio, em casa abusados pelos anormais dos seus "Pais". Nunca, mesmo não conhecendo deixei fazer algo de mau a alguém perto de mim.
Uma criança não nasce má! ...
Simplesmente fantástico!
Como sempre adorei esta visão crítica e sarcástica da nossa sociedade a que o Vasco nos habituou!
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