07/11/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

JEREMIAS – PARTE VIII

Uma das minhas primeiras profissões foi a de operário numa fábrica de guarda-chuvas. Não me perguntem como é que se faz um guarda-chuva porque não sei. Trabalhava no armazém e nunca me apeteceu ir à produção para descobri-lo. Era novo e tudo o que não era gaja, ou envolvia as gajas, não me suscitava a mínima curiosidade. Na verdade agora já não sou novo e não iria da mesma forma.
Então o que fazia eu?
Eu tinha um dos melhores trabalhos do mundo. Consistia em enfiar delicadamente o invólucro de plástico no guarda-chuva fechado, depois de concluído o seu fabrico. Tratava-se do último acabamento, a canela em cima do pastel de nata, o creme na pele de uma gaja boa como tudo, o gorro vermelho no topo da cabeça do Pai Natal.  Mais tarde percebi que a minha facilidade em enfiar carapuços e preservativos advinha dessa mesma experiência. Atenção que era gajo para envolver o meu material com látex em 1,2 segundos. Confiem em mim. Eu sei do que falo. Sou o Usain Bolt de colocação peniana de preservativos. E tal como o Bolt eu sou gajo de perna comprida, se é que me entendem.
Onde ia eu?
Ah! Operário ou, mais propriamente, fiel de armazém de guarda-chuvas.
Fazíamos encomendas para todo o mundo lá na fábrica.
Chegámos a fazer material para a China com caracteres muito giros. Gostei tanto que mandei tatuar uns iguais no meu corpo! Mesmo no antebraço. Depois aconteceu o mesmo com umas letras árabes impressas noutra remessa que seguiu para o Médio Oriente. Por essa ocasião tatuei-as nas costas. Mais tarde descobri o que queriam dizer.
E deduzem que tive azar, não foi? Nem pensem! Queriam que tivesse tatuado sem querer algo do género 'sou um falhado' ou 'impotente deste lado', ah?
Pois! A verdade é que o destino é meu amigo. Sempre foi. Em chinês dizia: “a essência do conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído”. Obviamente, os chineses tinham a percepção que eu, essencialmente, sabia o que fazia enquanto possuía. Em árabe fazia a seguinte menção: “a brasa amanhece cinza”. É mesmo isso que penso quando as gajas vêm ter comigo, chegam a arder e partem arrefecidas depois do amor que lhes dou.
Assim, antes de vir embora de vez daquela fábrica, roubei um guarda-chuva que ainda hoje é especial. Tem desenhado uma espécie de arco-íris e quando roda sobre si faz um efeito muito engraçado. Foi com esse que salvei a ministra Graça. Mas não foi por me agradar à vista que o fanei. Fi-lo por outro motivo perfeitamente compreensível. Nesses tempos eu andava a fazer-me a uma gaja mesmo boa. Quer dizer, não era assim tão boa, até porque o marido era cego, mas constava-se que era fogo. E como eu havia recebido uma mensagem cósmica transmitindo-me que eu teria de transformar em cinza toda a brasa, não descansei enquanto não a levei para a cama, que, naquele caso, até nem chegou a ser uma cama mas sim uma esquina num canto morto do armazém onde se colocavam os materiais recicláveis, como plásticos e cartões.
A nossa relação durou algumas semanas.
Ela era fogo ao final da tarde e cinza, não ao amanhecer, mas sim passado uns minutinhos - que eu sempre fui um gajo eficiente.
Mas tudo acabou quando o cego descobriu.
Primeiro disse-me que me arrancava os tomates. Ao que respondi que eles eram tão grandes que mesmo que fosse míope nunca os perderia.
Depois avisou-me que ia fazer com que eu fosse despedido. E, quanto a isso, eu nem me importei pois já estava farto daquele trabalho e que tencionava alistar-me no exército para ser recrutado para as Árabias, onde se dizia que as gajas eram brasas - pudera, com aquele calor todo.
Por fim, certo dia, pegou num guarda-chuva e disse que mo ia enfiar num sítio que ele lá sabia. Ora esse sítio ao qual ele se referia era a minha segunda religião, a seguir à católica, da qual sou um fiel seguidor. Tive tanto medo de o ver nesse sítio, ainda para mais sendo aberto depois de lá enfiado, que lhe roubei o guarda-chuva e nunca mais o larguei - não vá alguém ter a mesma ideia absurda.
Ainda hoje o guardo onde ninguém o possa ver.


1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Façam o favor de fazer como o Jeremias,tenham sempre um guarda-chuva guardado e à mão...não vá que seja preciso...
kkkkkkkkk...............