CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
JEREMIAS
– PARTE VIII
Uma das minhas primeiras
profissões foi a de operário numa fábrica de guarda-chuvas. Não
me perguntem como é que se faz um guarda-chuva porque não sei.
Trabalhava no armazém e nunca me apeteceu ir à produção para
descobri-lo. Era novo e tudo o que não era gaja, ou envolvia as
gajas, não me suscitava a mínima curiosidade. Na verdade agora já
não sou novo e não iria da mesma forma.
Então o que fazia eu?
Eu tinha um dos melhores trabalhos do
mundo. Consistia em enfiar delicadamente o invólucro de plástico no
guarda-chuva fechado, depois de concluído o seu fabrico. Tratava-se do último acabamento, a canela em cima do pastel de nata, o creme na pele de uma gaja boa como tudo, o gorro vermelho no topo da cabeça do Pai Natal. Mais tarde percebi que a minha facilidade em
enfiar carapuços e preservativos advinha dessa mesma experiência.
Atenção que era gajo para envolver o meu material com látex em 1,2
segundos. Confiem em mim. Eu sei do que falo. Sou o Usain Bolt de
colocação peniana de preservativos. E tal como o Bolt eu sou gajo
de perna comprida, se é que me entendem.
Onde ia eu?
Ah! Operário ou, mais
propriamente, fiel de armazém de guarda-chuvas.
Fazíamos encomendas para todo o
mundo lá na fábrica.
Chegámos a fazer material para a
China com caracteres muito giros. Gostei tanto que mandei tatuar uns
iguais no meu corpo! Mesmo no antebraço. Depois aconteceu o mesmo
com umas letras árabes impressas noutra remessa que seguiu para o
Médio Oriente. Por essa ocasião tatuei-as nas costas. Mais tarde
descobri o que queriam dizer.
E deduzem que tive azar, não
foi? Nem pensem! Queriam que tivesse tatuado sem querer algo do
género 'sou um falhado' ou 'impotente deste lado', ah?
Pois! A verdade é que o destino
é meu amigo. Sempre foi. Em chinês dizia: “a essência do
conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído”.
Obviamente, os chineses tinham a percepção que eu, essencialmente,
sabia o que fazia enquanto possuía. Em árabe fazia a seguinte
menção: “a brasa amanhece cinza”. É mesmo isso que penso
quando as gajas vêm ter comigo, chegam a arder e partem arrefecidas
depois do amor que lhes dou.
Assim, antes de vir embora de vez
daquela fábrica, roubei um guarda-chuva que ainda hoje é especial.
Tem desenhado uma espécie de arco-íris e quando roda sobre si faz um efeito
muito engraçado. Foi com esse que salvei a ministra Graça. Mas não
foi por me agradar à vista que o fanei. Fi-lo por outro motivo
perfeitamente compreensível. Nesses tempos eu andava a fazer-me a
uma gaja mesmo boa. Quer dizer, não era assim tão boa, até porque
o marido era cego, mas constava-se que era fogo. E como eu havia
recebido uma mensagem cósmica transmitindo-me que eu teria de
transformar em cinza toda a brasa, não descansei enquanto não a
levei para a cama, que, naquele caso, até nem chegou a ser uma cama
mas sim uma esquina num canto morto do armazém onde se colocavam os
materiais recicláveis, como plásticos e cartões.
A nossa relação durou algumas
semanas.
Ela era fogo ao final da tarde e
cinza, não ao amanhecer, mas sim passado uns minutinhos - que eu
sempre fui um gajo eficiente.
Mas tudo acabou quando o cego
descobriu.
Primeiro disse-me que me
arrancava os tomates. Ao que respondi que eles eram tão grandes que
mesmo que fosse míope nunca os perderia.
Depois avisou-me que ia fazer com
que eu fosse despedido. E, quanto a isso, eu nem me importei pois já
estava farto daquele trabalho e que tencionava alistar-me no exército
para ser recrutado para as Árabias, onde se dizia que as gajas eram
brasas - pudera, com aquele calor todo.
Por
fim, certo dia, pegou num guarda-chuva e disse que mo ia enfiar num
sítio que ele lá sabia. Ora esse sítio ao qual ele se referia era
a minha segunda religião, a seguir à católica, da qual sou um fiel
seguidor. Tive tanto medo de o ver nesse sítio, ainda para mais
sendo aberto depois de lá enfiado, que lhe roubei o guarda-chuva e
nunca mais o larguei - não vá alguém ter a mesma ideia absurda.
Ainda hoje o guardo onde ninguém
o possa ver.
1 comentários:
Façam o favor de fazer como o Jeremias,tenham sempre um guarda-chuva guardado e à mão...não vá que seja preciso...
kkkkkkkkk...............
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