21/11/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CARDOSO – PARTE I


Já devem ter ouvido falar de mim. Toda a gente já ouviu, sou o padre Cardoso, mais conhecido por Cardoso Tenebroso.
Deram-me esse nome quando expulsei uma série de sacristães da casa de Deus. Essa cambada de atrasados mentais que diziam servir a casa do Senhor quando na verdade só queriam o bem deles mesmos.
Estão a olhar para mim de lado, não é? A pensar “ah, olha o padreco, que se mete com as velhas assanhadas e pede presentes nas missas, que apalpa criancinhas e tem rios de dinheiro proveniente de oferendas, que apregoa uma coisa e faz o oposto; ah, o típico padre que fala para cegos e faz ouvidos moucos...”.
É isso que pensam de mim, não é?
Pois bem. Eu vou dizer-vos o que sou. Sou o padre mais fodido que alguma vez puseram a vista em cima - metaforicamente, claro.
Se acredito na palavra do Senhor? Claro que não, mas alguém acredita?
Se pratico o bem? Não necessariamente. Pratico o mal para fazer o bem.
Se sou devoto a Deus? Sou devoto às pessoas boas e um inimigo das pessoas más, o que faz de mim um demónio para os pecadores - um pecador portanto. Mas como o paraíso não existe quem se importa?
E como dou as missas quando não acredito no Senhor? Aí é que está. Eu acredito na mensagem que foi escrita pelo Homem. Logo Deus é Homem.
Raio parta a filosofia que já estou a ficar confuso.
Resumindo, eu sou padre porque dessa forma ouço as confissões das pessoas e, assim, posso agir de acordo com o que elas me dizem.
E perguntam-se, porque é que ainda ninguém me expulsou da Ordem? Porque eu sou a Ordem.
Como começou tudo isto?
Bem, quando eu era novo acreditei em Deus.
Fiz aquelas coisas todas, rezar muito, viver num mosteiro, seminário e por aí fora. Isto aconteceu até que descobri que é tudo uma cambada de mentirosos. Então, comecei a perseguir os padres pecadores. Sou uma espécie de justiceiro. Mas eles são tantos que nem com mil vidas conseguiria fazer justiça com as minhas próprias mãos. Deixei-os, aos padres, para mais tarde e passei a liderá-los com muito suor, paciência e mentira.
Mas esperem lá.
Acreditam mesmo no que estou a dizer?
Acham mesmo que eu sou um padre-justiceiro? O que pensavam a seguir? Que eu andava de Harley-Davidson e cabelo comprido, assim como um colete de cabedal sem mangas e um colar com as cores da Jamaica?
Mas é claro que sou como todos os outros.
E, para ser sincero, expulsei aqueles sacristães porque me andavam a comer as patroas. Tive um discípulo que chamava gajas às patroas. Mas eu prefiro chamá-las patroas, tem mais classe. E um homem da minha idade tem de apresentar uma certa classe.
Mas é verdade que não acredito em Deus e também é verdade que a certa altura da minha vida me quis tornar num padre-justiceiro, mas isso não é para aqui chamado.
Não me apetece falar do passado, mas apenas do presente. Não vou contar o que fiz durante os anos em que fui adolescente ou aprendiz.
Vou apenas referir-me ao que faço nos dias que correm.
Hoje dei uma missa, dormi, fiz sexo oral que a idade não perdoa, dei outra missa, estive na internet a pesquisar sobre uma casta de vinho, comprei charutos, dei outra missa e adormeci no sofá a ver a selecção nacional a jogar contra outra equipa europeia.
Honestamente sou um padre-maluco, que às vezes quer ser justiceiro, outras que se quer aproveitar das regalias que o facto de ser padre me permite. Isso muda consoante o vento e, mais concretamente, em função do último filme a que assisti.
Sou um cidadão esquizofrénico, como todos o são, bom ou mau consoante o lado para onde estou virado. Mas eu sou um pouco mais do que a maioria, confesso.
Sou um perdido neste mundo esquisito que não sabe o que é nem o que quer ser. Mas, caraças, sempre quis ser actor.
Por isso, a cada dia que passa sou uma pessoa diferente. Hoje sou narrador de histórias, daí o meu desabafo.
Amanhã serei outra coisa qualquer. Afinal, sempre quis ser actor.

4 comentários:

Cristina Torrão disse...

Ora, vamos lá ver o que este padre tem para nos dizer. Será que vai contar segredos que ouve nas confissões. Sempre fui muito curiosa quanto ao que as pessoas dizem, nessas situações. Será pecado querer saber? ;)

Guiomar Ricardo disse...

Temos agora à baila um membro do clero...ena,pá!Isto cheira-me a esturro...estou mesmo a ver que agora é que nos vamos divertir à grande e à francesa,se ele começa a desvendar segredos insondáveis de confessionário...vai ser bonito!

Vasco disse...

Este padre tem de facto muito para dizer... Não sei é se será alguma coisa de jeito. Bem, na verdade até sei se é ou não, mas fico-me por aqui.

Guiomar Ricardo disse...

Os mistérios do Senhor são insondáveis!kkkkkkkkkkkk............