CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
CARDOSO
– PARTE I
Já devem ter ouvido falar de
mim. Toda a gente já ouviu, sou o padre Cardoso, mais conhecido por
Cardoso Tenebroso.
Deram-me esse nome quando
expulsei uma série de sacristães da casa de Deus. Essa cambada de
atrasados mentais que diziam servir a casa do Senhor quando na
verdade só queriam o bem deles mesmos.
Estão a olhar para mim de lado,
não é? A pensar “ah, olha o padreco, que se mete com as velhas
assanhadas e pede presentes nas missas, que apalpa criancinhas e tem
rios de dinheiro proveniente de oferendas, que apregoa uma coisa e
faz o oposto; ah, o típico padre que fala para cegos e faz ouvidos
moucos...”.
É isso que pensam de mim, não
é?
Pois bem. Eu vou dizer-vos o que
sou. Sou o padre mais fodido que alguma vez puseram a vista em cima -
metaforicamente, claro.
Se acredito na palavra do Senhor?
Claro que não, mas alguém acredita?
Se pratico o bem? Não
necessariamente. Pratico o mal para fazer o bem.
Se sou devoto a Deus? Sou devoto
às pessoas boas e um inimigo das pessoas más, o que faz de mim um
demónio para os pecadores - um pecador portanto. Mas como o paraíso
não existe quem se importa?
E como dou as missas quando não
acredito no Senhor? Aí é que está. Eu acredito na mensagem que foi
escrita pelo Homem. Logo Deus é Homem.
Raio parta a filosofia que já
estou a ficar confuso.
Resumindo, eu sou padre porque
dessa forma ouço as confissões das pessoas e, assim, posso agir de
acordo com o que elas me dizem.
E perguntam-se, porque é que
ainda ninguém me expulsou da Ordem? Porque eu sou a Ordem.
Como começou tudo isto?
Bem, quando eu era novo acreditei
em Deus.
Fiz aquelas coisas todas, rezar
muito, viver num mosteiro, seminário e por aí fora. Isto aconteceu
até que descobri que é tudo uma cambada de mentirosos. Então,
comecei a perseguir os padres pecadores. Sou uma espécie de
justiceiro. Mas eles são tantos que nem com mil vidas conseguiria
fazer justiça com as minhas próprias mãos. Deixei-os, aos padres,
para mais tarde e passei a liderá-los com muito suor, paciência e
mentira.
Mas esperem lá.
Acreditam mesmo no que estou a
dizer?
Acham mesmo que eu sou um
padre-justiceiro? O que pensavam a seguir? Que eu andava de
Harley-Davidson e cabelo comprido, assim como um colete de cabedal
sem mangas e um colar com as cores da Jamaica?
Mas é claro que sou como todos
os outros.
E, para ser sincero, expulsei
aqueles sacristães porque me andavam a comer as patroas. Tive um
discípulo que chamava gajas às patroas. Mas eu prefiro chamá-las
patroas, tem mais classe. E um homem da minha idade tem de apresentar
uma certa classe.
Mas é verdade que não acredito
em Deus e também é verdade que a certa altura da minha vida me quis
tornar num padre-justiceiro, mas isso não é para aqui chamado.
Não me apetece falar do passado,
mas apenas do presente. Não vou contar o que fiz durante os anos em
que fui adolescente ou aprendiz.
Vou apenas referir-me ao que faço
nos dias que correm.
Hoje dei uma missa, dormi, fiz
sexo oral que a idade não perdoa, dei outra missa, estive na
internet a pesquisar sobre uma casta de vinho, comprei charutos, dei
outra missa e adormeci no sofá a ver a selecção nacional a jogar
contra outra equipa europeia.
Honestamente sou um padre-maluco,
que às vezes quer ser justiceiro, outras que se quer aproveitar das
regalias que o facto de ser padre me permite. Isso muda consoante o
vento e, mais concretamente, em função do último filme a que
assisti.
Sou um cidadão esquizofrénico,
como todos o são, bom ou mau consoante o lado para onde estou
virado. Mas eu sou um pouco mais do que a maioria, confesso.
Sou um perdido neste mundo
esquisito que não sabe o que é nem o que quer ser. Mas, caraças,
sempre quis ser actor.
Por isso, a cada dia que passa
sou uma pessoa diferente. Hoje sou narrador de histórias, daí o meu
desabafo.
Amanhã serei outra coisa
qualquer. Afinal, sempre quis ser actor.
4 comentários:
Ora, vamos lá ver o que este padre tem para nos dizer. Será que vai contar segredos que ouve nas confissões. Sempre fui muito curiosa quanto ao que as pessoas dizem, nessas situações. Será pecado querer saber? ;)
Temos agora à baila um membro do clero...ena,pá!Isto cheira-me a esturro...estou mesmo a ver que agora é que nos vamos divertir à grande e à francesa,se ele começa a desvendar segredos insondáveis de confessionário...vai ser bonito!
Este padre tem de facto muito para dizer... Não sei é se será alguma coisa de jeito. Bem, na verdade até sei se é ou não, mas fico-me por aqui.
Os mistérios do Senhor são insondáveis!kkkkkkkkkkkk............
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