CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
MADALENA
– PARTE IV
Deixei o Moustafa que nem sempre
se havia chamado Moustafa em plena praça. A noite caíra
rapidamente, pelo que quando cheguei à porta do único clube
nocturno da terra só conseguia distinguir a cara pálida do
segurança, que se destacava do seu fato preto de cangalheiro assim
como do beco escuro e mal iluminado do edifício ao qual queria
chegar.
Se ele tivesse uma máscara negra
até seria capaz de o confundir com o Batman. Mas não. Tratava-se
apenas do Billy the kid, não o cowboy, mas sim o pugilista
amador com zero vitórias e dezassete derrotas que adoptara o nome do
tal cowboy. Tratavam-no por Billy porque se chamava Zacarias e
kid porque era um adulto. Claro que fui eu quem lhe dei o apelido por
causa da tal cena que eu possuía e que me fazia inverter as coisas,
um desarranjo psiquiátrico, como dizia o doutor.
Mal me viu, o Billy deu-me um
high five e eu brindei-o com uma pancada na careca depois de ter subido
às suas cavalitas. Disse-lhe que queria entrar, algo que ele negou,
argumentando que eu não tinha idade para isso. Face a essa resposta,
peguei num pedação do meu próprio cabelo e enfiei-o por cima do
lábio, simulando um bigodaço à Eça de Queiroz. Ele focou-me por
um par de segundos e esboçou um ar convencido. Abriu a porta e
convidou-me para entrar, tratando-me por senhora Madalena.
Quando invadi o espaço havia um
cheiro intenso a fumo e a álcool. A música estava nas alturas mas
só uma mesa se encontrava ocupada. Afinal, a noite tinha acabado de chegar.
No entanto, essa mesa onde estavam os únicos clientes valia tanto
como uma casa cheia. Tratava-se de meia dúzia de homens e mulheres
que falavam com sotaque brasileiro. Snifavam coca utilizando um
espelho de maquilhagem e aquilo que me pareceu ser uma nota de 100
reais.
Antes de me dirigir a eles, fui
ao balcão e pedi um sumo de amora, com gelo. Fi-lo com o bigode
posto, claro, não fosse o empregado perceber que eu era apenas uma
miúda de 12 anos. Ele serviu-me e quando me voltou as costas
roubei-lhe o picador de gelo sem que se apercebesse. Era lindo, o
picador, bem pontiagudo como a ocasião o exigia. De copo na mão e
palhinha na boca, sentei-me junto daquilo a que alguém chamaria de
escola de samba.
“Olá, Graça.”
“Oi, meu bem.”
“Ou devo dizer, ex-ministra
Graça?”
“Você me reconheceu, garota?
Estou tão feliz! Aprendeu muito comigo quando eu era ministra,
moça?”
“Ó Graça, deixa-te de tretas
com esse sotaque.”
“Está bem. Mas agora até os
brasileiros perceberam que não sou brasileira. Bem, com esta droga
toda, talvez não se lembrem que acabaste de me desmascarar.”
“Não creio que seja relevante
aquilo que eles possam pensar de ti doravante.”
“Porquê?”
“Porque eu sou a Madalena e vou
acabar contigo.”
“Espera lá. És a Madalena? A
Madaleninha?”
“Sim, sou.”
“És a filha que eu tive com
aquele polvo gigante que trabalhava na câmara nos tempos em que eu
era vereadora?”
“Não era um polvo gigante. O
meu pai apenas andava constantemente inchado devido aos gases e à
dificuldade em digerir os alimentos. O homem doente, portanto. Para além disso, não era a
cabeça que inchava, mas sim o estômago.”
“És capaz de ter razão. Não me lembro bem. Só o via nu quando estava drogada. Nem podia ser de outra forma.”
“Pois, eu compreendo.”
“Como está ele, o teu
paizinho?”
“Não importa.”
“Então queres fazer mal à tua
mãezinha?”
“Não. O padre Cardoso é que
queria.”
“E tu não?”
“Eu não. Preferiria que
regressasses à política e me arranjasses uma cunha quando
crescesse. E depois sim, matar-te-ia.”
“Ó! Tão fofa! Sempre a pensar
no futuro. Sais mesmo à tua mãezinha, sua riqueza.”
“Sim. Só que não preciso de
cocaína para ter alucinações.”
“Não? Isso deve ficar mais
barato! Como consegues?”
“É segredo e não tenciono
revelá-lo porque também quero participar no Secret Story 31
quando atingir a maioridade.”
“Que pena. E afinal porque
segues os desígnios do padre Cardoso?”
“Porque no fundo sou boa pessoa
e seria incapaz de rejeitar o último pedido de um homem às portas
da morte.”
“Eu também sempre fui incapaz
de rejeitar um pedido, uma oferenda, um favor. Céus, somos mesmo mãe
e filha.”
De repente calei-me. Não que as
palavras me fugissem, mas porque me havia picado na ponta do picador
de gelo enquanto o acariciava docemente.
1 comentários:
Eu quando for grande também quero participar no"Secret story 31"...kkkkkkkkkkkkkkk..............
Agora estou ansiosa pela próxima Madalena,Parte V.
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