Muitos apontam Phiilp Roth como um eterno candidato ao prémio Nobel. A verdade é que o seu estilo, a sua capacidade de transformar a linguagem escrita numa forma de vida justificam largamente esse estatuto.
Este livro é uma pérola. Baseado na sua própria experiência como membro da comunidade judaica norte-americana, Roth constrói uma história com traços auto-biográficos que, ao mesmo tempo, marca a literatura contemporânea com uma nova concepção do romance histórico. Ou melhor, não se trata propriamente de um romance histórico no sentido tradicional do termo porque a realidade descrita não corresponde à realidade; trata-se mais de um magnífico exercício de imaginação sobre uma realidade que podia ter acontecido e, dramaticamente, pode acontecer.
Toda a obra é marcada por um esforço de auto-compreensão e de explicação de um dos maiores dilemas morais do século XX: até que ponto a guerra é defensável, perante situações extremas de violência e injustiça.
Um dos aspectos mais notáveis desta obra é a clareza da linguagem: um estilo directo, sem artifícios, simples e objectivo. No entanto, por detrás dessa clareza de linguagem há um mundo complexo de dilemas e de dúvidas. Philip Roth, um miúdo de nove anos, principal personagem desta história, é filho de judeus num bairro judaico de Newark, no início da segunda guerra mundial. Na Alemanha, Hitler iniciara já a sua perseguição aos judeus, com o objectivo macabro de exterminar o povo judeu. Neste cenário, Roth imagina o que seria a América se um simpatizante de Hitler chegasse à presidência. É neste ponto que o autor passa da realidade histórica para a ficção, pintando o quadro de uma América liderada por Lindbergh, um famoso aviador com simpatias nazis, que aqui assume o papel de Presidente dos Estados Unidos da América, derrotando Franklin Roosevelt.
Ao longo da ascensão dos nazis, o leitor vai vivendo a amargura da comunidade judaica e vai sentido vagas de revolta. Ondas sucessivas que se sucedem sem que as anteriores tenham desaparecido.
A ignorância, o preconceito e a maldade que advém desse mesmo preconceito, alimentam monstros que se escondem por detrás de quem acredita nas boas intenções do ser humano. E o leitor, impotente perante a força do mal vai fazendo crescer as ondas de revolta…
Imaginada quanto aos factos, esta história é bem real quanta às atitudes e à maldade humana.
A família do jovem Philip sofre na carne e na alma toda essa maldade, toda a crueldade do preconceito e de alguns interesses cruelmente egoístas.
Perante a catástrofe iminente, a própria comunidade judaica divide-se, tal como previam os planos dos líderes fascistas: uns aceitam a dominação e acreditam, com ingenuidade, nas suas boas intenções, outros opõem-se ferozmente e outros ainda tentam “passar ao lado”, continuando preocupados apenas com a sua vida material. Esta divisão em três facções provoca conflitos graves entre a comunidade judaica, o que vai alimentando ainda mais o monstro. Dividir para reinar ou, neste caso, fomentar o ódio para alimentar o ódio maior. E chegamos assim ao grande motivo de reflexão para todo o mundo em que vivemos. Até que ponto se justifica a oposição à violência, com a violência? Até que ponto podemos confiar numa democracia que pode disfarçar a mais cruel das ditaduras?
Em conclusão: trata-se de uma obra notável como documento de um período histórico que continuará a ser motivo de reflexão e exemplo do pior que a alma humana pode gerar.
Não é um livro que dê respostas; não as poderia dar. Mas é um livro que levanta questões que serão sempre fundamentais para a compreensão do espírito e da vida humana. Talvez a única verdade seja que, como diz Roth, “não podemos fazer tudo certo sem fazer também alguma coisa errada”.
Publicado no meu outro blog (Os Meus Livros)
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