21/07/2010

O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar - Yukio Mishima

O cenário é tradicional: um rapaz de 13 anos, Noboru, enfrenta os ciúmes provocados pela relação da mãe, Fusako, com um marinheiro, Ryuji. Mas por detrás deste cenário (ilusório e superficial) esconde-se um mundo inteiro de contradições espirituais, um cosmos complexo que o rapaz vai construindo interiormente, por oposição ao mundo real e um quadro simbólico em que o mar (que Ryuji transporta no sangue) a funcionar como símbolo do poder maior, o poder que destrói.
Como se vê, a ideia-base é semelhante à de O Tempo Dourado, obra maior de Mishima: o confronto do Eu interior com o mundo e a ideia de expiação do mundo pelo poder do Eu. Só o poder que destrói é criador. No entanto, o confronto de Ryuji com o amor carnal é o pólo oposto ao do poder – é o lado fugaz e mesquinho do ser humano.
O homem tem como obrigação expor o seu poder sobre o mundo; a violência torna-se justificável perante a mesquinhez, a ignorância e o egoísmo do ser humano. Matar é o acto supremo de exercício do poder; a morte é o único acesso à perfeição.
Tal como em O Templo Dourado, Mishima exibe o seu impressionante fascínio pelo mar: o mar representa o poder destruidor. “O pavoroso poder do mar”.
Ruyjan, marinheiro que trocou o mar pelo amor, foi despojado do seu heroísmo porque o trocou pela vida na terra. É por isso e não por qualquer tipo de ciúme que Noboru o odeia. A sua morte pode ser a única solução. Sem piedade, porque a piedade é um obstáculo às mentes superiores que Noboru representa. A mulher é o elemento do mundo, é o obstáculo maior a essa glória. A morte, por seu turno, é associada à glória. Porque a glória é amarga.
Esta apologia da violência, do poder e da morte tornam a escrita de Mishima terrivelmente inquietante. Ela só é compreensível à luz dos conceitos de honra do código dos samurais que Mishima respeitará até à morte quando, em 1970 se suicidou cumprindo o cruel ritual japonês sepukku, vulgarmente conhecido por haraquiri.
Uma escrita perturbadora, inquietante mas absolutamente genial pela profundidade de espírito, pela visão clara se bem que radical do destino humano.

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