21/03/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


ROSALINA – PARTE V

Grande porcaria!
Apetecia-me gritar ao mundo que era boa, enquanto espremia o sumo da laranja até não restar uma única gota dentro dela.
Saber-me-ia tão bem!
Queria isso para relaxar. Tenho andado um pouco enervada e fora de mim ultimamente. Primeiro, ando com falta de sexo. Não que o meu marido seja muito eficiente, mas à falta de melhor não tenho alternativa. Segundo, a minha empregada doméstica pediu-me um subsídio extra. Ora, se eu recebo menos por que hei-de pagar mais? Terceiro, ontem irritei-me no facebook e, para não ser uma vaca de todo o tamanho, preciso de me dominar, caso contrário, mais tarde ou mais cedo, as tensões acabarão por subir e o médico passar-me-á um valente raspanete. Ainda se fosse jeitoso não me importava que ralhasse comigo, mas sendo como é, betinho e bonitinho, ainda morreria de tédio.
Adiante, o que acontece é que não tenho uma única laranja na cozinha. Nem sei como não dei pelo lapso. Mas é um facto. Terei por isso de me levantar este sábado nublado e fazer-me à estrada.
E assim foi.
Parei no supermercado mais próximo e entrei. Umas belas de umas laranjinhas estavam dispostas mesmo à entrada. Eram grandes, cheias e apresentavam uma óptima cor. Enchi dois sacos e dirigi-me à caixa. Tinha de pagar quatro euros e qualquer coisa. Porém, não tinha dinheiro que chegasse. Saquei o cartão multibanco e a menina, uma moça com idade para ser minha filha, disse-me que só era permitido efectuar pagamentos com cartão para valores acima dos vinte euros. Fiquei louca! Perguntei se sabiam quem eu era, expliquei que essa imposição não podia ser aplicada dessa forma e levantei o tom de voz para que toda a gente me escutasse – além disso, o homem que estava atrás de mim parecia ter jeito para trabalhos manuais, até pelo serrim que envolvia parte da sua roupa -. Com o barulho, veio o gerente. Voltei a fundamentar a queixa. O homem olhou-me com indiferença e perguntou se desejava levantar dinheiro ou partir.
Eu fui, mas prometi que ia fechar o estabelecimento quando me dessa na cabeça. Com tanta entidade neste país, alguém pegaria com alguma coisa...
Depois, irritada, fui a outro supermercado. Só que as laranjas estavam esgotadas. Onde é que já se viu? Chamei incompetente ao chefe da secção de frutas e legumes que dava ordens a duas cachopas enquanto elas embelezavam um expositor cheio de melões e arranquei para outro supermercado da cidade.
Assim que entrei nesse espaço, senti um odor que me agoniou. Dois bebés choravam compulsivamente junto à caixa e nem precisei de espreitar a fralda para perceber a razão do desconforto deles. Saí imediatamente por onde tinha entrado.
Arreliada, pensei onde poderia comprar o raio das laranjas. Pus de lado as frutarias e mercearias pelo facto de o chão estar invariavelmente sujo ou molhado. E não gosto de sujar os sapatos nem correr o risco de partir uma perna.
Uma ideia surgiu então naquele momento. Era dia de feira!
Dirigi-me para lá tão rapidamente quanto pude e estacionei. Enfiei um lenço que tinha na mala do carro e cobri a cabeça. Afinal não queria ser reconhecida nem associada a alguém que compra falsificações e assume que só usa roupa de marca. Na verdade, isso já aconteceu, mas foi há muito tempo e eu estava aflita por encontrar determinadas peças e.... Bem, não importa!
Enquanto me dirigia à banca, depois de ter levantado dinheiro, o povo berrava como se estivesse num circo. Acabei por comprar duas camisolas, um par de calças e um perfume, mas só porque me impingiram! E só Deus sabe o quanto me custa recusar algo de gente necessitada – aqueles vendedores bem pareciam precisar de uma mãozinha, assim como os seus filhos cheios de ranho e vestindo roupinhas finas.
Assim que alcancei a banca da Lurdinhas, comprei dois quilos de laranjas depois de me ter chateado com uma velhota que queria ser servida antes de mim, apesar de ter chegado depois. Discuti com ela e quase a insultei. Mas ainda bem que não o fiz, pois um minuto depois chegou a vereadora e percebi que elas eram mãe e filha. Fiquei um pouco constrangida pela situação, mas duas coisas deixaram-me feliz, sobrepondo-se ao resto: já tinha a minhas laranjas, que espremia ainda que mentalmente, e o facto de a vereadora ter um lenço igualzinho ao meu.




2 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Mais uma faceta da Rosalina...um dèjà vu...tantas e tantas vezes nas pedantes chiquérrimas que nos rodeiam!

Fernanda R-Mesquita disse...

Fantastico. Conseguimos rir com coisas que na realidade achariamos por vezes reprovaveis, se assistissemos a eles.