CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
ROSALINA
– PARTE V
Grande
porcaria!
Apetecia-me gritar ao mundo que
era boa, enquanto espremia o sumo da laranja até não restar uma
única gota dentro dela.
Saber-me-ia tão bem!
Queria
isso para relaxar. Tenho andado um pouco enervada e fora de mim
ultimamente. Primeiro, ando com falta de sexo. Não que o meu marido
seja muito eficiente, mas à falta de melhor não tenho alternativa.
Segundo, a minha empregada doméstica pediu-me um subsídio extra.
Ora, se eu recebo menos por que hei-de pagar mais? Terceiro, ontem
irritei-me no facebook e, para não ser uma vaca de todo o tamanho,
preciso de me dominar, caso contrário, mais tarde ou mais cedo, as
tensões acabarão por subir e o médico passar-me-á um valente
raspanete. Ainda se fosse jeitoso não me importava que ralhasse
comigo, mas sendo como é, betinho e bonitinho, ainda morreria de
tédio.
Adiante,
o que acontece é que não tenho uma única laranja na cozinha. Nem
sei como não dei pelo lapso. Mas é um facto. Terei por isso de me
levantar este sábado nublado e fazer-me à estrada.
E
assim foi.
Parei
no supermercado mais próximo e entrei. Umas belas de umas
laranjinhas estavam dispostas mesmo à entrada. Eram grandes, cheias
e apresentavam uma óptima cor. Enchi dois sacos e dirigi-me à
caixa. Tinha de pagar quatro euros e qualquer coisa. Porém, não
tinha dinheiro que chegasse. Saquei o cartão multibanco e a menina,
uma moça com idade para ser minha filha, disse-me que só era
permitido efectuar pagamentos com cartão para valores acima dos
vinte euros. Fiquei louca! Perguntei se sabiam quem eu era, expliquei
que essa imposição não podia ser aplicada dessa forma e levantei o
tom de voz para que toda a gente me escutasse – além disso, o
homem que estava atrás de mim parecia ter jeito para trabalhos
manuais, até pelo serrim que envolvia parte da sua roupa -. Com o
barulho, veio o gerente. Voltei a fundamentar a queixa. O homem
olhou-me com indiferença e perguntou se desejava levantar dinheiro
ou partir.
Eu
fui, mas prometi que ia fechar o estabelecimento quando me dessa na
cabeça. Com tanta entidade neste país, alguém pegaria com alguma
coisa...
Depois,
irritada, fui a outro supermercado. Só que as laranjas estavam
esgotadas. Onde é que já se viu? Chamei incompetente ao chefe da
secção de frutas e legumes que dava ordens a duas cachopas enquanto
elas embelezavam um expositor cheio de melões e arranquei para outro
supermercado da cidade.
Assim
que entrei nesse espaço, senti um odor que me agoniou. Dois bebés
choravam compulsivamente junto à caixa e nem precisei de espreitar a
fralda para perceber a razão do desconforto deles. Saí
imediatamente por onde tinha entrado.
Arreliada,
pensei onde poderia comprar o raio das laranjas. Pus de lado as
frutarias e mercearias pelo facto de o chão estar invariavelmente
sujo ou molhado. E não gosto de sujar os sapatos nem correr o risco
de partir uma perna.
Uma
ideia surgiu então naquele momento. Era dia de feira!
Dirigi-me
para lá tão rapidamente quanto pude e estacionei. Enfiei um lenço
que tinha na mala do carro e cobri a cabeça. Afinal não queria ser
reconhecida nem associada a alguém que compra falsificações e
assume que só usa roupa de marca. Na verdade, isso já aconteceu,
mas foi há muito tempo e eu estava aflita por encontrar determinadas
peças e.... Bem, não importa!
Enquanto
me dirigia à banca, depois de ter levantado dinheiro, o povo berrava
como se estivesse num circo. Acabei por comprar duas camisolas, um
par de calças e um perfume, mas só porque me impingiram! E só Deus
sabe o quanto me custa recusar algo de gente necessitada – aqueles
vendedores bem pareciam precisar de uma mãozinha, assim como os seus
filhos cheios de ranho e vestindo roupinhas finas.
Assim
que alcancei a banca da Lurdinhas, comprei dois quilos de laranjas
depois de me ter chateado com uma velhota que queria ser servida
antes de mim, apesar de ter chegado depois. Discuti com ela e quase a
insultei. Mas ainda bem que não o fiz, pois um minuto depois chegou
a vereadora e percebi que elas eram mãe e filha. Fiquei um pouco
constrangida pela situação, mas duas coisas deixaram-me feliz,
sobrepondo-se ao resto: já tinha a minhas laranjas, que espremia
ainda que mentalmente, e o facto de a vereadora ter um lenço
igualzinho ao meu.
2 comentários:
Mais uma faceta da Rosalina...um dèjà vu...tantas e tantas vezes nas pedantes chiquérrimas que nos rodeiam!
Fantastico. Conseguimos rir com coisas que na realidade achariamos por vezes reprovaveis, se assistissemos a eles.
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