02/09/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

GRAÇA – PARTE II

(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade continua a ser, logicamente, pura coincidência)
Olá, meu povo, meus eleitores, minha gente! Como estão? Vai um livrinho de Matemática para o 4º ano? Ou talvez uma sebenta daquelas que já não se usam? Um lápis e uma caneta? Ah, esperam lá! A campanha eleitoral já acabou. Esqueçam. Deixem-me enfiar tudo na mala que pode fazer falta no futuro - agora entendo a verdadeira razão pela qual nós, mulheres modernas, usamos um tipo de mala onde cabe material agrícola suficiente para tratar 10 hectares de terreno fértil.
Sabem, hoje vou na terceira semana de mandato. Isto tem sido uma correria. Nem imaginam! Ainda dizem que os políticos não fazem nada!
Ora vejamos. Despedi pessoal porque os incompetentes do governo anterior tinham gente a mais. Contratei pessoal porque gente com cargos influentes como eu tem de possuir um staff que o deixe confortável em termos psíquicos e emocionais, pessoas de confiança, claro. Quebrei contratos leasing pois as viaturas eram alemãs e eu nunca gostei do Schumacher; sempre preferi o Senna e mais tarde o Montoya. Comprei uma frota de carros franceses pois sempre admirei o Alain Delon. Remodelei o gabinete, porque o anterior era muito pesado e eu fico com enxaquecas em ambientes adversos. Doei o material de escritório e os consumíveis visto que os homens encarregues de carregar e descarregar objectos pesados andavam todos a fumar em demasia quando deviam estar ocupados a trabalhar. Fiz uma encomenda para substituir o que havia sido doado. Enviei e-mails a mostrar quem é que mandava no show, como dizem os americanos - já sei que me referi a eles da outra vez, mas que querem?, eles são os maiores. Mudei de serviço de catering para outro mais caro, mas de qualidade superior e que a longo prazo nos trará rentabilidade dado que o filho do dono da empresa é namorado do sobrinho do presidente de Angola.
Depois deu-se o fim de semana. Fui a três festas, uma num submarino, outra numa faculdade privada e, por último e porventura a melhor, na sede de um banco recentemente privatizado. Foi tudo muito divertido. As primeiras festas foram quase banais. Mas a última rebentou com a minha escala pessoal designada de 'quão boa pode ser uma festa sem que haja sexo, banhos de leite, esculturas de gelo e água que saia de torneiras feitas em ouro maciço'. Nessa festa portanto, ocorrida no domingo ao final da tarde, houve bebida, comida e música. Tudo emanava classe, sofisticação e charme. Mais tarde chegou a cocaína e outros compostos químicos. E, só depois, apareceram os rinocerontes zebrados, as medusas flutuantes, as bandeiras esvoaçantes, as naves voadoras que se assemelhavam a queques de laranja - digo de laranja porque cheiravam a laranja -, os alienígenas em forma de parafuso, a neve cor-de-rosa, as cadeiras falantes que mais pareciam escadas, o fio de pesca preso nas colunas e paralelo ao chão que nos fazia tropeçar, o pavimento flutuante, as paredes cheias de espigões que encolhiam de cada vez que eu espirrava, as pantufas esponjosas, os pratos de sopa sem fundo.
Foi o máximo! Nem em Hollywood eu conseguiria encontrar tanta qualidade numa festa.
Curiosamente, nessa mesma celebração, eu fiz grandes negócios. Sim, porque um político não se cansa de trabalhar! Fá-lo a toda a hora! Até a dormir! Por isso fechei negócio com um chinês que me permitiu contratar dez dos seus melhores professores para as minhas universidades e enviar onze dos nossos melhores alunos para as suas faculdades privadas. Concordei com um empreiteiro a substituição dos telhados das nossas escolas que fossem planos, por outros inclinados, visto que me tinha chegado aos ouvidos - lá está, ministra com informação privilegiada - que ia chover muito. Combinei com o primeirinho ministrinho que o governo ofereceria livros gratuitos a agregados familiares com uma destas duas situações: a pais que tivessem mais de doze filhos, sendo que a mãe teria de possuir apenas uma perna e o pai ter removido o apêndice até 1983, e a pais que tivessem tirado a carta de condução na 'Sempre a abrir' - empresa criada pelo irmão do primeirinho ministrinho. Também acordei com o antigo chefe do sindicato fazer a vida negra ao novo chefe do sindicato, porque este último se tinha feito à secretária do primeiro; e eu gosto de respeito, além de que o antigo chefe me prometeu contar segredos obscuros acerca do novo chefe e, palavra puxa palavra, acabei por lhe prometer que me fazia a ele numa outra festa, quando o efeito da cocaína estivesse no auge.
Na semana seguinte continuei o meu percurso. Renovei a roupa e adereços porque a imagem é fundamental. Assinei uma série de despachos - o que não deu muito trabalho porque me tinha esquecido dos óculos de ver ao perto em casa. E visitei duas escolas. Na primeira os professores estavam em greve. Na segunda os alunos simulavam um enterro. Bem, eu nunca gostei de funerais, ao contrário da minha querida amiga Rosalina, por isso tudo decorreu num instante.
No fim de semana seguinte descansei.
E hoje inicio a minha terceira semana de trabalhos. São 9H e acaba de tocar a campainha do Parlamento.

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1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Isto é um autêntico retrato da nossa "nova" sociedade...
Mas entrou às 9h no Parlamento...quem diria!Estou a gramar à brava a Sra. Dra. Ministra etc. e tal D.Graça.
Fartei-me de rir!Só as Crónicas para nos fazerem esquecer por momentos em que país vivemos.
Obrigada,Vasco.