14/06/2010

Guerra e Paz - Lev Tolstoi

Karaguin, Bolkonski, Bezukhov, Mikailovna, Rostov, são cinco famílias de onde Tolstoi parte para uma das maiores aventuras literárias alguma vez empreendida.
Isto não é um romance; nem um tratado filosófico; também não é um livro de história. É uma mistura genial de tudo isso.
Mil e oitocentas páginas distribuídas por quatro volumes, com uma excelente tradução da Editorial Presença percorrem os anos das guerras Napoleónicas no Leste europeu. Nas duas capitais da Rússia (Sampertersburgo e Moscovo), as personagens vêem as suas vidas afectadas de forma mais ou menos indelével pela guerra, sem que isso impeça os dramas, alegrias e tristezas do quotidiano.
A guerra desenrola-se nas altas esferas da sociedade, entre imperadores ambiciosos, generais oportunistas e oficiais interesseiros. Os soldados, esses, são os peões, a “carne para canhão” que emana do povo, desse povo russo heróico e miserável.
O segundo aspecto relevante, que o leitor sente logo nas primeiras páginas é a critica deliciosamente subtil à sociedade da época, com personagens-tipo: o rico e rabujento Bolkonski, o pedante e rastejante Vassili, a descarada e “pé-rapado” Anna Mikailovna, o cabeça no ar Anatole, o romântico e sonhador Rostov, o, arrivista e oportunista Boris, etc. Neste domínio, destaque para a crítica ao papel social da mulher, relegada para um estatuto quase decorativo. A mulher não tem educação escolar, e apenas se realiza com o casamento. Este é ditado pelas normas sociais, pela conveniência e quase nunca pelo sentimento. Revela, sem dúvida, uma concepção algo tradicionalista da mulher: valoriza o seu papel como mãe e doméstica. No entanto, há um certo encantamento pela capacidade que certas mulheres têm para ouvir os homens e apoia-los. A mulher virtuosa não se preocupa com o visual nem com o social, nem como “seduzir” o marido, como defendiam as pessoas “inteligentes”, sobretudo francesas. A esposa perfeita “assumia o papel de escrava do marido”.


Elogia sempre a família tradicional – “o homem com duas mulheres é como quem almoça duas vezes: pode obter mais prazer mas provavelmente não digerirá nenhuma delas”.
O quadro perfeito da vida familiar: os homens discutem negócios, assuntos militares e da governação, as mulheres bordam e servem os seus maridos, as crianças imitam os adultos nas suas brincadeiras.
O amor constrói-se em torno dos filhos e da casa. As grandes paixões são nefastas porque levam ao sofrimento.
Na primeira fase do romance, Tolstoi descreve-nos uma sociedade russa parecia dominada pela cegueira. Boris representa aquela juventude que adora Napoleão, mesmo em guerra com ele. Nikolai Rostov chega a defender a necessidade de não ter espírito crítico: “se começarmos a fazer juízos sobre tudo e a raciocinar, nada haverá de sagrado”.
Boris foi o primeiro a descobrir que a inteligência e a bravura não são o mais importante no exército e na sociedade mas sim a bajulação aos superiores. Ele prefere a capital (Petersburgo) onde pode conviver com a alta sociedade.
Ainda no aspecto social, realce para a ausência da burguesia, numa época em que noutros países já se afirmava a sociedade burguesa fruto da industrialização e do liberalismo. A alta sociedade russa é dominada por terratenentes ainda agrarrados à servidão, já abolida no ocidente há muito tempo.

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